Sócrates no seu labirinto…

Um ex-1º ministro sobre quem recaem suspeitas tão graves deveria estar empenhado em comparecer diante do tribunal.

Formou-se a convicção, com forte colaboração mediática, de que ao soar do gong do prazo fixado pela procuradora geral da República o Ministério Público teria concluída a acusação contra José Sócrates e os outros arguidos da chamada Operação Marquês.

Nesse entendimento pareciam alinhar os próprios advogados da defesa, ao insistirem na tese antiga de que estaria fora de prazo.

Note-se que, já em Outubro de 2015, os mesmos advogados acusavam o Ministério Público de ter esgotado os prazos do inquérito, «sem acusação e sem arquivamento». 

Quase um ano e meio depois, a litania não é diferente. E há muito que se tornou claro que, para a defesa – como para o próprio Sócrates –, o desfecho ideal deveria ser o arquivamento do processo. E toda a pressão que exercem vai nesse sentido.

O que é estranho. Um ex-primeiro-ministro sobre quem recaem suspeitas tão graves – facto inédito em Portugal –, deveria estar empenhado, como ponto de honra, em comparecer diante do tribunal e ser julgado, para protestar a sua alegada inocência e sair de alma lavada.

Para quem se proclama injustiçado não se vislumbra outro comportamento. Mas não. Ao contrário, o que se tem visto é um desusado empenho em ‘ganhar na secretaria’ sem ir à sala de audiências, denegrindo a investigação e os magistrados do Ministério Público.

Para um lunático ou alguém desprevenido, a novela poderia assemelhar-se a um esquisito arrufo por causa de prazos e não a um rol de crimes sofisticados, envolvendo corrupção, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais, além de outros que foram imputados mais recentemente e que não são meigos. Um labirinto complexo. 

Os advogados fazem o que podem e, às vezes, sem as melhores maneiras. Neste caso, não lhes tem faltado trabalho. Segundo o comunicado da Procuradoria, até finais do ano passado já tinham sido apreciados, no âmbito do inquérito, «cerca de 350 requerimentos apresentados por arguidos e, no Tribunal da Relação de Lisboa, tinham dado entrada mais de 50 peças processuais relativas a recursos e outros incidentes suscitados pelas defesas». É obra.

Contas feitas pelo jornal Público às custas judiciais dos recursos que deram entrada na Relação, juntamente com multas, o ‘investimento’ já soma uns milhares de euros. Coisa que não parece incomodar o principal arguido, a par dos honorários dos advogados, cujo afã não deve ser pro bono…

A manobra é aparentemente simples: enquanto sobrecarregam o andamento do processo com recursos, requerimentos e suscitam incidentes processuais, as defesas queixam-se de «ilegalidades» do MP e da demora numa decisão. 

Quando a nota – invulgarmente extensa e minuciosa – da PGR esclarece que «não foram abandonadas as imputações iniciais, que já se encontram suficientemente trabalhadas e desenvolvidas», e que o Ministério Público «já analisou suficientemente muita da prova recolhida, podendo efetuar um juízo sobre a mesma, uma vez que se encontra solidificada», estamos perante duas evidências cristalinas: a primeira, é que continuam válidas as suspeitas iniciais, que levaram à detenção de Sócrates, deitando por terra o argumentário da defesa. A segunda, é que o ex-primeiro-ministro e demais arguidos dificilmente escapam à acusação .

Mas não haja ilusões. Daqui até Junho, no quadro do adiamento pedido pelos procuradores para concluírem o inquérito – e feita a revisão da matéria em abril – a ‘barragem de fogo’ sobre o Ministério Público vai manter-se ativa.

Sentiu-se, há muito, que a acusação ganhava corpo e abrangia novas conexões, num novelo deveras intricado. E a cada novo episódio Sócrates tem vindo a desdobrar-se em entrevistas e declarações avulsas, repetindo-se na auto vitimização, como já acontecia com o famoso PEC 4. 

Há quem tenha interpretado o último comunicado da PGR como um ‘murro na mesa’, por estar cansada de adiamentos. E estes, pese embora a fundamentação dos procuradores, estão a deixar a Justiça numa situação desconfortável.

A atração por um megaprocesso exemplar – ou as contingências que empurraram a investigação para pistas e terrenos inesperados – prolonga no tempo um processo que se encontra sob permanente escrutínio dos media.

Ao implicar José Sócrates, Ricardo Salgado e outros nomes sonantes da vida portuguesa, o risco maior – como alguns arautos, pouco inocentes, procuram cultivar – é «não dar em nada».

Do outro lado do Atlântico, o ‘amigo’ Lula da Silva, também ele a contas com a Justiça, segue o mesmo modelo de candura impoluta. 

A Operação Marquês tem tudo para ser em Portugal o julgamento do século. E do Regime. Assim se faça. 

Nota: O autor desta coluna ausenta-se de férias nas próximas duas semanas. O Pátio das Cantigas reaparece a 15 de abril.