O dia do Brexit

Foi ontem – 28 de março – à noite divulgada a foto da primeira-ministra britânica, Theresa May, a assinar a carta, dirigida ao presidente da União Europeia, o polaco Donald Tusk, pela qual o Reino Unido invoca o artigo 50 do tratado de Lisboa, com vista a abandonar a União Europeia.

Theresa May limita-se a dar continuidade à vontade democraticamente expressa da maioria do povo britânico, que em referendo votou pela saída da União Europeia. Mas, felizmente, nada é assim tão simples. Na Escócia, que votou favoravelmente pelo “ficar” na União, o parlamento regional votou pela realização de um novo referendo pela independência. E isto apesar de os ingleses não estarem de acordo com esse hipotético novo referendo, e de a União, quase de certeza, não aceitar a integração automática de uma Escócia independente, para não encorajar o ímpeto independentista catalão. Além disso, já existem sondagens que indicam que, num novo referendo sobre a independência, a maioria dos escoceses escolheria ficar no Reino Unido, mesmo este estando fora da União Europeia.

Refira-se igualmente que, na Irlanda do Norte, que também votou pelo “ficar” na União, a maioria do parlamento regional é neste momento a favor da unificação com a Irlanda. Em suma, devido ao Brexit, o Reino Unido está dividido como nunca.

Portugal também vai pagar um preço pela saída do Reino Unido da União. Desde logo, porque essa saída deverá colocar obstáculos e taxas alfandegárias a um parceiro comercial importante, dificultando a troca de mercadorias e de serviços. Em segundo lugar, porque o Brexit poderá por em causa os direitos sociais da importante comunidade portuguesa emigrada no Reino Unido, que se cifrará em cerca de 150.000 pessoas.

Já é menos crível que o Brexit venha a afetar a comunidade britânica emigrada em Portugal (que é importante, sobretudo no Algarve, onde mesmo em aldeias do barrocal eles abrem os seus cafés/restaurantes). Desconheço o seu número exato, mas sei que esta comunidade britânica é suficientemente numerosa e afluente para ter um jornal próprio, “The Resident”, que quando toma posições editoriais é para defender boas causas, como para tentar impedir a construção de hotéis em terrenos ecologicamente frágeis e protegidos.

Apesar da importância de tudo o que foi acima escrito, acima de tudo, a saída do Reino Unido fragiliza a posição de Portugal dentro da União Europeia, porque é o abandono dessa mesma União de um nosso aliado “natural” em termos geoestratégicos. É a saída de um país, como o nosso, virado ao mar. Sem o Reino Unido, a União Europeia ficará ainda mais focada para os problemas do centro da Europa, onde Portugal não tem particular interesse. E é o abandono da União do melhor dos aliados do mais importante aliado português, que são os Estados Unidos da América.

A principal perda será imaterial: é que os britânicos, com a sua maneira de pensar e o seu sentido de humor típicos, aos quais nós fomos expostos pelas séries de televisão, fazem falta, para quebrar raciocínios como “os países pequenos não têm alternativa senão aderir ao euro”. E a Dinamarca, mais pequena do que Portugal, porventura aderiu?

A Europa, sem os britânicos, ficará indiscutivelmente mais pobre. Resta tentar tirar o melhor partido do Brexit, tentando atrair para Portugal empresas e organismos europeus, que, ou por cálculo no caso das empresas, ou porque não tenham outra hipótese no caso das burocracias europeias, vão abandonar o Reino Unido.

De resto, é como dizem os célebres cartazes, dos quais poucos foram distribuídos na altura em que foram impressos, porque visavam moralizar o povo em caso de invasão pela Alemanha de Hitler da Grã-Bretanha, “Keep Calm and Carry On”. Como se diz em bom português: Mantenha-se Calmo, e Prossiga.