‘Carlos’ Ilich Ramirez. O revolucionário de gatilho fácil

Há pouco mais de uma semana a justiça francesa condenou o homem, a que a imprensa chamou “o chacal”, à sua terceira pena perpétua. A condenação reportava-se a um ataque a um café em 1974. “Carlos” respondeu à sentença com calma:  “pode ser que tenha sido Carlos, pode ser que tenha sido eu, mas não…

"Havia seis pessoas neste comando: dois alemães, um palestiniano, dois libaneses e eu mesmo. Nós tomamos de assalto um dos andares do edifício onde a reunião tinha lugar. A ação começou às 11.50 h da manhã. Tivemos que matar três pessoas e ferir uma quarta, antes de dominar a situação. Poucos minutos depois, a polícia cercou o edifício, tiveram que recuar quando perceberam que estávamos a sério”, é desta forma que “Carlos”, aliás Ilich Ramíres-Sánchez, aliás “o chacal”, segundo popularizou a imprensa tabloide, descreveu o início do rapto dos ministros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que teve lugar em 21 de dezembro de 1975, em Viena, executada sob as ordens da Frente Popular da Libertação da Palestina.  Na preparação da ação do comando, “Carlos” é perentório: “Quem [dos reféns] não obedecer será imediatamente executado; quem tentar fugir será executado; se alguém ficar histérico e começa a gritar será executado. Se um elemento do nosso comando não obedecer às minhas ordens será também imediatamente executado”. Um dos alemães do comando, que relata posteriormente esta história, protesta, afirma que não é um assassino, que com uma arma é possível ferir sem matar, e que por muito importante que seja a causa não tinha a intenção de se tornar um criminoso. E se essas eram as regras ele preferia não ir para não acabar executado. “Carlos” diz-lhe que está fora de questão: “Tudo isto não tem nada de ver com ser ‘assassino’, corresponde a uma exigência militar dentro da luta política”. Mas a necessidade política tinha um sentido amplo para “Carlos”, para ajudar um comando do Exército Vermelho Japonês, que tinha assaltado a embaixada francesa na Holanda, disparou varias rajadas de metralhadora num café, em pleno centro de Paris, matando duas pessoas e ferindo mais algumas dezenas. 

 Vladimir, Ilich, Lenine chamavam-se os três filhos do advogado José Altagracia Ramírez Navas, que na sua juventude foi amigo do líder liberal Jorge Elicer Gaitan, cujo o assassinato, pela extrema-direita, foi o tiro de partida da guerra civil colombiana que decorre desde os anos 40 do século passado. Como parece óbvio ele escolheu o nome dos filhos em homenagem ao líder da revolução soviética, Vladimir Ilich Ulianov, com o nome de guerra “Lenine”. Ilich nasceu em Caracas em 12 de dezembro de 1949. Ilich começou as suas atividades políticas nas juventudes comunistas venezuelanas, prosseguiu os estudos em Londres, e posteriormente foi licenciar-se para a Universidade Patrice Lumumba em Moscovo, da qual foi expulso dois anos depois por “distúrbios anti-soviéticos”. Com um contacto obtido por um  colega Palestiniano, Ilich entra em contacto com a Frente Popular da Libertação da Palestina, em Beirute, enviado para campos de treino desta organização na Jordânia, distingue-se, meses depois, nos combates contra as tropas do monarca jordano, que expulsa as organizações palestinianas do seu território, no famoso “Setembro negro”, massacrando 25 mil palestinianos. É desta altura que vem o seu nome de guerra, os palestinianos chamam-no “Khalid”, amigo de confiança, ele sugere que fique o nome mais próximo em castelhano, “Carlos”. 

O seu cognome de imprensa, “O Chacal”, deve-se que na altura em, em 1975, que “Carlos” mata dois polícias antiterroristas francês e fere gravemente um terceiro, executando, na mesma fuga, ainda o homem que o tinha denunciado, um agente duplo que trabalhava para a Mossad israelita, estava nas livrarias o livro de Frederick Forsyth, “O Chacal”, sobre um assassino da OAS [organização de extrema-direita que contesta a independência da Argélia] que tenta matar o general De Gaulle.

Depois de ser expulso da FPLP, por não ter executado os ministros do Irão e da Arábia Saudita no ataca à OPEP. Há quem o acuse de ter recebido dinheiro destes dois países para não o fazer.  A partir dai, o venezuelano passa a literalmente a alugar a sua arma aos regimes árabes que lhe pagassem. Com o fim da guerra fria converte-se ao islamismo e acaba fugido em Cartum.  Ainda assim, quando as tropas especiais francesas foram capturá-lo, com cumplicidade das autoridades fundamentalistas islâmicas locais, no Sudão, e ele é apresentado para interrogatório, em Paris, o homem que é acusado ter morto pessoalmente mais de 80 pessoas responde ao juiz de instrução francês: “Eu admito que me chamo Ilich Ramírez-Sánchez, aliás ‘Carlos’”, faz um silêncio e conclui: “Sou um revolucionário internacionalista”. 

Artigo originalmente publicado na edição do b,i. de 8 de abril de 2017