Costa não perdeu uma missa. E isto é novo

António Costa recebeu o Papa Francisco na base aérea de Monte Real. Até aí tudo bem. O primeiro-ministro está a receber um chefe de Estado estrangeiro. 

É verdade que a presença de Costa neste ponto do programa não constava do primeiro papel divulgado sobre a visita do Papa. Apenas a de Marcelo Rebelo de Sousa, homólogo de Francisco enquanto chefe de Estado. Mas lá está: as coisas mudam. O protocolo não tem nada a opor que na receção a chefes de Estado de relevo – e este é o chefe da Igreja Católica – estejam também primeiros-ministros.

Mas o que é que o laico António Costa foi fazer para Fátima, participando em todas as missas do Papa, nomeadamente na canonização dos pastorinhos? Essa pergunta já é de mais difícil resposta. Marcelo Rebelo de Sousa é um católico praticante e afirmou em tempo devido que, tal como Francisco, iria a Fátima na dupla qualidade de chefe de Estado e peregrino. Faz sentido. O catolicismo de Marcelo faz parte da sua individualidade. 

Não tenciono entrar no discurso de ‘mata-frades’. A Igreja Católica faz parte da cultura portuguesa. A defesa da laicidade do Estado até ao limite faz-nos ignorar uma boa parte das tradições nacionais, o que é ridículo. Ignorar a romaria da Senhora d’Agonia, em Viana do Castelo, seria um erro crasso para qualquer responsável político. Nem os católicos nem os ‘mata-frades’ gostam do seguinte facto: existem muitas manifestações religiosas que são do ‘domínio público’. São passíveis de serem apropriadas pelos não-católicos. Podemos começar por falar no Natal. Se levarmos o laicismo ao extremo, todos os feriados religiosos deveriam ser abolidos. Na realidade, os católicos conseguem trabalhar e cumprir lá os seus deveres. Aliás, foi particularmente penoso ver as escolas católicas ontem a funcionar enquanto as escolas públicas estavam fechadas, à conta de uma duvidosa tolerância de ponto.

Mas Costa ultrapassou, com esta ida a Fátima, uma espécie de Rubicão. Aquele que nenhum secretário-geral do PS até agora tinha passado. Costa conseguiu mudar a natureza do PS como até agora nunca ninguém tinha conseguido. E não é por ser ‘mais à esquerda’. É todo um poder pessoal que, como Nossa Senhora aos católicos, o ilumina.