Bendita dívida!

Uma nota inicial. Nos tempos da troika, todos os economistas diziam que o desemprego só voltaria a cair quando a economia estivesse a crescer acima de 3%. «Vem nos livros», asseguravam.

Assim, previam que Portugal iria demorar anos a recuperar os empregos perdidos durante esse período. 

Ora, mal a economia inverteu a tendência negativa, ainda durante o ano de 2013, o desemprego começou a diminuir.
E nos últimos anos tem caído vertiginosamente, apesar de estarmos muito longe de crescer 3%. Em 2015 crescemos 1,6%, em 2016 ficámo-nos pelos 1.4%, e este ano talvez cheguemos aos 2%.
Depois de vermos isto, que confiança podemos continuar a ter na palavra dos economistas?

Falemos agora da dívida. Quase tudo o que se tem escrito sobre esta questão está errado, passe a imodéstia.
À esquerda e à direita. Estão errados os que defendem a reestruturação da dívida e os que a rejeitam.

Deve dizer-se que as posições se têm vindo a aproximar, pois o grupo de trabalho que recentemente tratou deste assunto, do qual faziam parte alguns conhecidos adeptos do ‘não pagamos’, defende hoje uma posição moderada.

O que se louva: mais vale tarde que nunca (embora seja estranho que algumas pessoas tenham levado tanto tempo a chegar a uma conclusão que logo de início se apresentava evidente). 

Entretanto, de um lado e doutro, todos são unânimes em dizer que é preciso libertarmo-nos da canga da dívida para o Estado poder começar a investir – e que só aí teremos um crescimento como deve ser.

Ora, isto não é verdade. No tempo de Manuela Ferreira Leite como ministra das Finanças, a dívida pública estava em 60% do PIB – e hoje está acima de 130%. Quer isto dizer que o Estado dispôs nestes anos de muitos milhares de milhões de euros para investir (já não contando com os que recebeu dos fundos europeus). Terão sido mais de 200 mil milhões. E o que cresceu o país neste período em que se derreteu tanto dinheiro? Praticamente nada. Portanto, dizer que o país vai crescer quando o Estado dispuser de dinheiro para fazer investimento a sério é uma completa falácia.

No tempo de José Sócrates, por exemplo, o Estado investiu imenso e não se cresceu quase nada.Responder-me-ão: isso aconteceu porque se investiu mal. Claro! Mas que garantias temos de que, daqui para a frente, o Estado começará a investir bem?

A nossa História mostra o contrário: o investimento público foi quase sempre pouco produtivo.  É claro que nós achamos: «A partir de agora é que vai ser!». Só que depois nunca é. Atrás de uma ilusão vem invariavelmente uma desilusão.

Se porventura conseguíssemos reduzir significativamente a dívida, a única consequência seria recomeçarmos a endividar-nos à bruta – sem crescimento que se visse. Nós queremos reduzir a dívida para… termos condições para nos voltarmos a endividar mais. Assim foi quase sempre nos últimos dois séculos. 

Porque os partidos do Governo, o que querem, é distribuir facilidades para colherem votos. Assim, atrevo-me a dizer que o único modo de haver disciplina orçamental é termos uma dívida elevada. Se nos libertássemos da ‘canga’, voltaríamos ao despesismo.

Finalmente, pergunto: que país onde ocorreu uma reestruturação da dívida (com perdão total ou parcial) está hoje bem de saúde? A Argentina? A Grécia? De que lhes serviu a reestruturação? Basta isto para mostrar que não é esse o caminho.

E por isso digo, meio a brincar, meio a sério: bendita dívida, que nos obriga a ter disciplina nas contas públicas. 
Se tivéssemos mais dinheiro para gastar, isso só serviria para contrairmos maus hábitos, sem nenhum resultado no crescimento. O único modo de a economia crescer sustentadamente é à custa de investimento privado – e, em particular, de investimento estrangeiro. 

E para isso acontecer a um ritmo superior ao atual, temos de ter condições para atrair capital. Muito mais importante do que aumentar o investimento público, é reduzir os impostos sobre as famílias e sobre as empresas, de modo a fazer de Portugal um país atrativo para os que querem investir. Este sim, será o caminho certo.

P.S. – Os bons números do crescimento no primeiro trimestre (2,8%) vieram confirmar tudo o que se escreveu nesta coluna.

1. A austeridade deu resultado e criou as bases para o equilíbrio das contas públicas e o relançamento da economia;

2. O crescimento saudável terá de assentar nas exportações e no investimento, e nunca no aumento do consumo interno.
Agora, atenção: para o crescimento ser sustentável, serão necessárias reformas (sobretudo na área fiscal e laboral) que esta ‘geringonça’ não tem capacidade para fazer.