Made in Lisboa

Só em maio, mês de ARCO, abriram em Lisboa quatro novas galerias. Novos espaços que vieram juntar-se às quase duas dezenas inauguradas nos últimos dois anos e meio. Que a capital está a mudar já tínhamos percebido, é sair à rua e ver, mas com isso também o mercado da arte está a mexer.

Made in Lisboa

Podíamos estar a escrever sobre Madonna, sobre os rumores da casa de que já terá comprado na Lapa e o palacete de milhões que terá disputado com Phil Collins ou sobre a noticiada visita ao Liceu Francês onde estaria a ponderar inscrever o filho mais velho. Sobre como no verão passsado Anna Dello Russo nos entrava pela TV anónima entre o amontoado de gente que aguardava pelos seus voos atrasados no aeroporto de Lisboa. E tudo isso havia de parecer outra história mas não é, porque a decisão da feira de arte contemporânea espanhola de se aventurar por uma edição na capital portuguesa, a ARCO Lisboa, cuja segunda edição acabou de terminar, ou a abertura de um novo museu com a dimensão do MAAT não muito longe daí serão tudo produto do mesmo fenómeno, da explosão do turismo que traz o resto. Lisboa está na moda, está na moda para todos e não são só Monica Bellucci ou Eric Cantona que andam por aí. São também artistas, curadores e colecionadores que cada vez mais visitam ou ponderam mudar-se para a capital de um país que, a reerguer-se de uma crise que o paralisou durante anos, entra neste novo contexto num processo acelerado de mudança. 

A dias da inauguração da sua galeria em Marvila, Francisco Fino falava-nos sobre o seu projeto mas também sobre isto. Sobre a cidade que encontrou quando em 2008 regressou de Nova Iorque e sobre aquilo em que nos últimos dois anos ela se tornou. «Estávamos no meio de uma crise gigantesca e eu cheguei a tentar perceber se havia colecionadores, quem eram os diversos agentes que se mexiam no mercado.» Criou então o seu projeto nómada, o Francisco Fino Art Projects, e deu início a um trabalho de organização de exposições através de parcerias com galerias, museus e fundações. «Foi uma forma que arranjei [de trabalhar] sem grandes custos e sem espaço físico, em parcerias e acompanhando sempre os diversos públicos. Isso permitiu-me perceber qual era a dinâmica da arte em Portugal e vi que havia espaço para uma nova galeria. Tanto havia que no último ano e meio apareceram várias».

Basta olhar para os números. Entre galerias privadas e espaços comerciais, em pouco mais de dois anos e meio apareceram 15 novos espaços em Lisboa. No final de 2014 abriram, por exemplo, a Múrias Centeno (com o crescimento meteórico que ainda no verão passado levou o site especializado artnet a colocá-lo na lista dos dez negociadores de arte mais respeitados na Europa) e a Galeria Pedro Alfacinha; em 2015 a Barbado Gallery e já no ano passado – que terá marcado a explosão decisiva -, a Wozen, a Madragoa ou a Hawaii-Lisbon, na Parede, às quais, só em maio deste ano se vieram juntar a Galeria Francisco Fino, muito perto do project room de vídeoarte The Room, na zona oriental, que se tem vindo a definir, a par de Alvalade, como um dos dois eixos fundamentais da arte contemporânea na capital. E entre tudo isto vieram a espanhola Maisterravalbuena e a italiana Monitor escolher Lisboa para a abertura de novas galerias fora de portas, além da brasileira TAL, que se instalou num espaço temporário não muito longe do MAAT (Rua Alexandre Sá Pinto, 3A), ensaio para a hipótese de um projeto futuro mais definitivo na capital portuguesa. A isto vieram juntar-se ainda novos espaços municipais como a Galeria Avenida da Índia ou as Carpintarias de São Lázaro, onde na semana passada foi inaugurada uma nova exposição do chileno Alfredo Jaar, mais uma série de espaços de projetos sem fins lucrativos como o Zaratan, o Hangar, A Ilha ou mesmo o Bregas, atelier de João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira em Xabregas que, com os seus Grandiosos Fins de Semana, acabou por se transformar em mais um espaço expositivo e de trabalho para vários artistas e projetos curatoriais apoiados pela dupla. 

«Estivemos oito anos sem uma única nova galeria em Lisboa», recorda Francisco Fino numa pausa para uma conversa enquanto são finalizadas, a velocidade cruzeiro, as obras no armazém onde decidiu abrir a sua galeria, na Rua Capitão Leitão, em Marvila, onde estavam já instaladas a Baginski e a Múrias Centeno. «De repente, a ARCO Madrid decide criar uma filial em Lisboa, e para uma feira com galerias premium como a ARCO decidir instalar-se em Lisboa é porque evidentemente existe um espaço, um mercado, qualquer coisa a mexer», sustenta o galerista de 31 anos que no início da semana da feira internacional de arte contemporânea de Lisboa inaugurou a sua galeria com Morphogenesis, exposição a juntar obras dos 17 artistas que representa com curadoria de João Laia, para no dia seguinte partir para a Cordoaria Nacional para a montagem do stand da Francisco Fino no Opening, secção da ARCO que pela primeira vez permitiu a abertura da feira a galerias com menos de sete anos de existência. «Claro que depois há outros fatores a contribuírem para isto», prossegue. «Há, por exemplo, muitos colecionadores importantes a mudarem-se para Portugal e isso implica trazerem as suas coleções. Depois há curadores que vêm visitar essas coleções e artistas que começam a decidir também mudar-se para cá. Há cada vez mais bons curadores e bons colecionadores em Lisboa e o facto de haver novas galerias internacionais a virem para Portugal, como a Maisterravalbuena, que abre a seguir a nós, é um ótimo indício de que há realmente um otimismo e uma retoma que está de facto a acontecer.» E no seu entender não veio só da explosão do turismo esta mudança. «A questão da insegurança na Europa também tem sido para várias pessoas um fator determinante para se mudarem para um país mais tranquilo. E na altura em que se começaram a mudar para cá o mercado imobiliário ainda permitia oportunidades que já não existiam lá fora.» 

De Marvila a Alvalade

Momento mais do que perfeito este em que veio a calhar abrir a Francisco Fino, projeto que ao fim de vários anos ganhou por fim forma, espaço físico, com uma proposta de programação que promete agitar (ainda mais) estas águas que de paradas já não têm nada. «Queremos fazer uma aproximação a vários públicos. Um aluno das Belas Artes ou um colecionador importante serão tratados da mesma forma, não há cá distinção», diz o galerista que coloca na sua lista de prioridades o investimento na formação de novos públicos. «O papel da galeria tem de mudar, tem de deixar de ser uma coisa tão fechada para se abrir para outro tipo de públicos», diz – daí que, a par das exposições, a programação contará progressivamente com várias atividades paralelas, de conversas e workshops a performances e projeções, numa sala que já está preparada para o efeito – como também de novos colecionadores. «O trabalho de uma jovem galeria que nasceu agora não é andar atrás dos colecionadores que já existem, é formar novos colecionadores também. Temos em Portugal colecionadores excelentes como o António Cachola ou o Miguel Leal Rios, mas é como se houvesse uma tarte em cima da mesa e toda a gente quisesse a mesma fatia, com o bolo todo por comer. Ninguém quer o resto do bolo porque não há um trabalho feito nessa direção».

Ocupar um espaço ainda em aberto foi também o ponto de partida de Pedro Magalhães, Luís Neiva e Paulo Caetano para o projeto ainda em preparação mas já com espaço escolhido e prestes a entrar em obras, junto à Avenida Estados Unidos da América, em Alvalade, bairro que ao longo da Avenida do Brasil acolhe a Galeria Vera Cortês e onde veio este mês instalar-se também a Maisterravalbuena. Balcony foi o nome que escolheram para esta galeria com abertura prevista para o outono e que representará jovens artistas como Tiago Alexandre, Horácio Frutuoso, DeAlmeida ESilva, Horácio Frutuoso, Nikolai Nekh ou Binelde Hyrcan. Balcony será essa varanda à qual podem sair e aparecer numa galeria que, construída à volta destes artistas e daquele que é o seu corpo de trabalho, tem como principal objetivo a sua internacionalização, explica Pedro Magalhães.

«Somos três colecionadores, pequenos colecionadores, que têm vindo a acompanhar o mercado da arte e de repente sentimos que havia muita coisa a mudar no espetro cultural português e que poderia haver espaço para novos projetos. O turismo foi só o começo de qualquer coisa. Há aqui várias conjugações interessantes do ponto de vista cultural que começaram até com o turismo mas que continuaram depois com o MAAT e com a ARCO», diz, explicando que a Balcony partiu da observação dos três galeristas, dois deles vindos do meio do marketing e da comunicação, que neste contexto perceberam que talvez tivesse chegado a hora de olharem para o mercado como «possíveis players». A partir daí, diz, a história é «relativamente simples de se contar: veio de um conhecimento profundo de três artistas que do nosso ponto de vista têm muito em comum», conta, referindo-se a Tiago Alexandre, Horácio Frutuoso e DeAlmeida ESilva, aos quais se juntaram Nikolai Nekh ou Binelde Hyrcan numa lista a que falta ainda somar pelo menos mais dois nomes antes da inauguração, que se fará com uma exposição coletiva. Não sendo a Balcony um projeto de amigos, foi amigos que estes artistas e o colecionador se tornaram ao longo dos últimos tempos, desde que Pedro começou a cruzar-se com o seu trabalho em exposições noutras galerias. 

E a escolha de Alvalade para esta galeria também será a mais simples. «Não tem a ver com um posicionamento ou associarmo-nos a alguma tendência de mercado, seja Xabregas, seja Alvalade, onde ainda bem que estão a Vera Cortês e a Maisterravalbuena, e mais venham, por favor. Tem a ver com termos nascido aqui, vivermos aqui e ter sido aqui que isto começou. Há essas ligações a esta zona específica, que além disso também faz sentido com a linha programática que estamos a delinear. Esta zona representou um renascer da cidade há 67 anos, num espaço que não estava ocupado, numa zona não explorada».