Ser de esquerda não é um certificado de virtude

«Nenhum mentiroso tem uma memória suficientemente boa para ser um mentiroso de êxito». Abraham Lincoln

Em vários se tores das sociedades contemporâneas – e nas democracias de cariz liberal – ainda está instalada uma espécie de perceção de que ser ‘de esquerda’ é um certificado de virtude. 

Até alguns liberais de direita, na ausência de cartilhas programáticas mobilizadoras, se armam em ‘modernaços’ no domínio dos costumes (ultrapassando as esquerdas e os seus extremos), complexados por não estarem do ‘lado certo’. 
Mas há muito tempo que as esquerdas e os seus extremos vivem em contradição e em incoerência. Casos e exemplos não faltam. Comecemos pelo Podemos. 

O que dizer do que Pablo Iglesias tem feito, ao diabolizar vários jornalistas espanhóis com ameaças e perseguições diversas (dando mesmo origem a queixas da associação de jornalistas de Madrid)? O que é que a esquerda portuguesa acha disto? 

Mais. No dia em que o Podemos tentou proibir a venda de Coca-Cola no Parlamento espanhol, o senador do Podemos Ramon Espinar foi fotografado a comprar Coca-Cola no próprio Parlamento… 

Mais ainda: no passado mês de Março, este partido político, com relações especiais com países como o Irão, apresentou uma proposta para retirar do Código Penal espanhol o crime de ‘enaltecimento do terrorismo’, para «proteger o humor negro» nas redes sociais. Alguém por cá disse alguma coisa? 

Mudemos para a Grécia. E vejamos por onde tem andado Yaris Varoufakis, o esquerdista radical que faz do luxo o seu modo de vida, estética e não esteticamente. 

Palestrante na esteira de Tony Blair, Bill Clinton e outros, cobra no mínimo 50 mil euros por cada palestra. E, imagine-se, exige sempre viajar em executiva, ficar em hotéis de luxo, com limusine e motorista. E que as paisagens a vislumbrar a partir dos hotéis sejam no mínimo tão contagiantes quanto as da sua vista para a Acrópole. Nada mal, para quem vive em modo de luxo, em contradição e incoerência. 

Aliás, a imagem de Barack Obama, Laurent Fabius, Segolène Royal, John Kerry, François Hollande e outros comensais sentados à mesa de um dos mais luxuosos restaurantes de Paris, aquando da realização da Cimeira do Clima, com o luxo extravagante à sua volta e à sua frente, é bem sintomática do modo de luxo e de vida em que também as esquerdas formais vivem. Nestas e noutras incoerências e em muitas contradições. 

Se existem imagens que valem por mil palavras, esta é uma delas. Que simbolicamente atesta a relação do luxo com as esquerdas e os seus extremos. 

Num tempo em que até com a vigência de um Governo das esquerdas Portugal entrou na ‘rota do luxo’ (ainda recentemente o Financial Times trouxe a Lisboa mais de quatrocentas pessoas de todo o mundo onde se destacam os nomes mais relevantes à escala mundial), luxo que em Portugal vale 5% do PIB (9.000 milhões de euros). 

Mas, em matéria de incoerências e contradições – que atestam que ser de esquerda ou de extrema-esquerda não é por si só um certificado de virtude –, poderemos destacar noutro plano a ausência de críticas a um país como a Bielorrússia (algumas centrais sindicais e partidos políticos portugueses até têm nos seus congressos delegações desse país governado por um ditador), ou a escolha de Rosario Murrillo, mulher do grande revolucionário Daniel Ortega, para vice-Presidente da Nicarágua. 

Este fechar de olhos retira também autoridade para as esquerdas encherem o espaço mediático com narrativas de defesa dos direitos humanos, da liberdade de informação, de impedimentos de gastos públicos sumptuários, de combate a tiranos e ditadores. 

Adoram portugalizar a CPLP e diabolizar vários dos seus países membros – mas sobre países como a Bielorrússia, Coreia do Norte e outros, calam-se. E isso é muito revelador de como a perceção de que ser ‘de esquerda’ é um certificado de virtude não passa de uma falácia.

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