16 perguntas sobre a tragédia de Pedrógão Grande

Costa remeteu três questões urgentes ao IPMA, Proteção Civil e GNR, mas ainda há muito por perceber. O i reuniu algumas interrogações e apresenta a informação que foi possível apurar até ao momento

Como começou este fogo? 
Segundo a Proteção Civil, a resposta foi acionada pelas 14h43 de sábado, sendo o ponto de origem do incêndio a localidade de Escalos Fundeiros, a norte de Pedrógão Grande, a 6,6 km por estrada. No domingo, o diretor da PJ Almeida Rodrigues informou já ter sido localizado o potencial ponto de ignição: uma árvore atingida por um raio, o que aponta para um incêndio de causas naturais, gerado por uma trovoada seca (sem chuva).

Como foram as primeiras horas? 
Pelas 17 horas de sábado, o fogo mobilizava um meio aéreo, 105 homens e 33 viaturas, noticiou na altura a “Lusa”. Um incêndio que lavrava em Loures mobilizava à mesma hora o dobro dos operacionais (207). Pelas 19h, havia já habitações em risco na vila e fonte do Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria, citado pela “Lusa”, dizia não haver qualquer indicação de casas em perigo na zona florestal afetada. O incêndio mobilizava então 156 homens, 46 viaturas e três meios aéreos. Pelas 19h34, o trânsito foi cortado no IC8 entre o nó da zona industrial de Pedrógão Grande e o nó do Outão. Por esta altura, este já era o fogo que mobilizava mais homens no país (211).

Quando é que começou a haver nota de que o fogo estava a tomar grandes proporções?
Pelas 23 horas, começou a haver indicações de casas ardidas e localidades afetadas no concelho de Figueiró dos Vinhos, a sudoeste de Escalos Fundeiros. Tanto o autarca de Pedrógão Grande como o de Figueiró admitiam já ter ardido várias casas, mas não tinha havido nenhuma comunicação formal da Proteção Civil nesse sentido. Quando a informação foi atualizada no site da Proteção Civil, o fogo já mobilizava 488 bombeiros. Por esta altura, também o incêndio de Góis, que ontem se complicou e que também começou na tarde de sábado, mobilizava mais de 300 bombeiros. 

Quando é que o fogo apanhou as 47 vítimas mortais que seguiram pela EN236?
A notícia de que tinham morrido 19 pessoas dentro dos carros nesta estrada que liga Figueiró dos Vinhos a Castanheira de Pera foi dada ao país perto da meia noite de domingo pelo secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes. Nesta altura, Marcelo também já estava a caminho do local, onde chegou antes de António Costa e da ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa. Segundo o “Expresso”, Marcelo pediu para ir ao posto de comando que inicialmente foi montado em Escalos Fundeiros e teve resistências da GNR, que o informou de que não havia condições. Marcelo terá insistido: “Se estamos em guerra, vamos à guerra”, disse, revelou o semanário. Segundo Domingos Xavier Viegas, perito em incêndios que esteve no local no domingo, tudo aponta para que as mortes na EN236 possam ter acontecido ao início da noite, num intervalo de cinco a dez minutos em que o ar se tornou irrespirável e as chamas acabaram por consumir as viaturas. Nestas circunstâncias, a causa de morte mais comum é a asfixia. O número de mortes na EN236 viria a subir para 47. Nos últimos dias, foram contabilizadas outras 16 vítimas mortais apanhadas pelo fogo noutros pontos do incêndio, inclusive nas suas casas. Morreu também um bombeiro que não resistiu aos ferimentos, num balanço total de 64 vítimas mortais. Ontem só tinham sido identificadas 32.

Pode haver mais vítimas?
Ontem continuava a haver relatos de que algumas zonas afetadas pelo incêndio ainda não foram percorridas pelas forças no terreno, que estão empenhadas no controlo dos incêndios. “Enquanto houver terreno por bater, o número de vítimas pode vir a subir”, disse ao início da manhã de ontem o comandante operacional da Proteção Civil, Vítor Vaz Pinto. Não há nota pública de que zonas ainda não foram percorridas. À hora de fecho desta edição, o fogo de Pedrógão Grande mobilizava 1204 operacionais, 406 viaturas e oito meios aéreos, mas em termos de controlo das chamas era o fogo de Góis que gerava maior preocupação. Estavam no combate a este incêndio mais de mil homens, contingente que ainda não se tinha verificado desde sábado. 

A EN236 devia ter sido cortada? Foi a GNR que desviou para lá condutores?
Uma mulher que fugiu do carro com o marido depois de terem sido apanhados pelo fogo na EN236 revelou que foram encaminhados para a estrada pela GNR. “Disseram-nos que estava livre de perigo e não estava. Não se via nada, só fumo e lume”. Também uma mulher que perdeu o padrinho na já chamada “estrada da morte” disse ao i que a informação na família é de que seguiram para a estrada por indicação da GNR. Há relatos de que algumas pessoas que perderam a vida na EN236 vinham da piscina “Praia das Rocas” em Castanheira de Pera. Já  Xavier Viegas indicou ao i que a maioria dos carros parecia seguir na direção de Castanheira, portanto depois de deixarem o nó do IC8. Não se sabe porque é que a estrada não foi cortada, mas tanto Xavier Viegas como o presidente da Liga dos Bombeiros já afirmaram que, ao entrar nesta via, o incêndio podia estar a quilómetros. “São coisas imprevisíveis. Foram apanhadas na ratoeira do fumo”, disse Jaime Marta Soares. Esta é uma das questões sobre as quais o governo quer resposta urgente da GNR: “Porque não foi encerrada ao trânsito a Estrada Nacional (EN 236-I), foi esta via indicada pelas autoridades como alternativa ao IC 8 já encerrado e foram adotadas medidas de segurança à circulação nesta via?”, perguntou Costa, num despacho conhecido ontem. Questionada pelo i na segunda-feira sobre o que motivou o desvio de pessoas para estrada, quantos carros passaram e se foi aberto algum inquérito, assim como se havia presença da Guarda na via, o porta-voz da GNR informou que “as forças da Guarda no terreno estão concentradas na proteção e socorro das populações. Oportunamente e como é habitual, todos os procedimentos adotados serão devidamente avaliados”. Ontem à noite, em entrevista à TVI, Costa informou já ter tido resposta do tenente general Manuel Silva Couto, comandante-geral da GNR. "O fogo terá atingido esta estrada de forma totalmente inusitada", o que surpreendeu os próprios militares, disse o primeiro-ministro. Não foi revelado ainda, porém, quantos militares estavam no local e em que pontos do troço, assim como que indicações tinham de que a via era ou não segura.

Uma trovoada seca pode explicar um incêndio desta dimensão?
Sim, se bem que os peritos têm apontado que não é tanto o facto de um raio atingir uma árvore mas de haver vários raios que caem em simultâneo numa área e causam diferentes focos de incêndio. Na noite de 1 para 2 de agosto de 2003, um fenómeno desta natureza foi ligado a vários incêndios que lavraram nessa semana e que consumiram mais de 100 mil hectares, o que costuma arder num ano normal no país. Foi neste verão que se verificaram os incêndios mais devastadores de que há registo em Portugal. Ainda assim, há uma incógnita: alguns moradores de Pedrógão relataram não ter ouvido trovoada e os mapas de descargas elétricas disponibilizados quer no site do IPMA quer noutras plataformas não mostravam raios a norte de Pedrógão Grande na tarde de sábado. O IPMA já justificou que por vezes há erros no site. 

O que é a rede SIRESP? Houve falhas?
A Rede Nacional de Emergência e Segurança (SIRESP) é um sistema de comunicação rádio através do qual todas as autoridades de segurança e emergência comunicam. Durante a tarde de sábado, a rede falhou, o que pode ter demorado as comunicações entre as forças no terreno, bombeiros, Proteção Civil e GNR. Os meios tiveram de recorrer a vias alternativas. Os bombeiros têm um sistema de rádio interno e foram comunicando entre si. As redes móveis de telecomunicações também estiveram em baixo. António Costa também quer saber se houve interrupção na rede SIRESP. No verão de 2013, falhas neste sistema foram ligadas à morte de dois bombeiros de Carregal do Sal.

Quando é que Portugal pediu ajuda?
Na manhã de domingo, o comissário europeu para a Ajuda Humanitária, Christos Stylianides, informou que, em resposta a um pedido de assistência das autoridades portuguesas, tinha sido acionado o Mecanismo de Proteção Civil da UE para providenciar aviões de combate a incêndios. Entre segunda e ontem chegaram meios aéreos de Espanha, Itália, França e Marrocos. Ontem foi tornado público que um grupo de 60 bombeiros da Galiza foi impedido de entrar em Portugal, por não haver ainda condições para os integrar na resposta ao fogo. A ministra da Administração Interna disse que “por vezes há pessoas com excesso de voluntarismo que podem querer empenhar-se sem ter qualquer tipo de enquadramento”. Segundo o MAI, o contingente de 80 bombeiros galegos vai agora juntar-se no esforço ao combate do incêndio de Góis, que ontem passou a gerar maior preocupação. Neste momento, já estão em Portugal, através do acordo bilateral com Espanha, quatro aviões canadair e 98 operacionais com os respetivos veículos. Do acordo bilateral com Marrocos trouxe ao país um canadair. Já através do mecanismo europeu, Espanha enviou mais aviões, França outros dois e Itália também. Questionado pelo i sobre se será pedida ajuda mais países, o MAI informou que irá “navegar em função do que é necessário”.

A fase Charlie devia ter sido antecipada?
A fase de maior preparação no combate aos incêndios, que sucede a fase Bravo, começa oficialmente a 1 de julho. Este ano, o governo tinha apontado “zero mortes” como principal objetivo do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais. Alguns bombeiros pediram a antecipação dos planos para a fase mais crítica do verão, segundo informação veiculada no blogue que acompanha a vida das corporações Bombeiros para Sempre. Para a fase Charlie está previsto o envolvimento de 9.740 elementos em diversas áreas, como: bombeiros, GNR, PSP, ICNF e posto de vigia, mais do que os 6.607 na fase Bravo, a qual está a decorrer. O MAI respondeu ao i que não vai antecipar a fase Charlie, uma vez que tem vindo a desenvolver os esforços e reforços que são necessários no momento. Apesar da não antecipação, o governo diz que neste momento já tem todos os meios disponíveis no território que em regra só são disponibilizados nesta fase. O facto de poder ter havido um pré-posicionamento de meios em zonas mais críticas, dado o risco elevado de fogo pelas condições atmosféricas, é um dos aspetos que foi suscitado depois da tragédia de Pedrógão. 

Quem faz o quê no terreno?
A GNR está responsável pela circulação nas estradas. A Proteção Civil coordena todo o dispositivo, composto de operacionais (a maioria bombeiros) portugueses e de outras nacionalidades. Já o ministro da Defesa Azeredo Lopes informou ontem que já foram alocados 50% dos meios militares previstos. Estão no teatro de operações 12 pelotões do exército, 237 operacionais da marinha, dos quais 178 fuzileiros, cinco equipas de engenharia do exército, um avião P3 Orion que está no terreno desde o dia 18 de junho e um helicóptero Alouette III.

O que se passa com o incêndio de Góis?
No início da semana, a grande preocupação era que o incêndio de Pedrógão Grande se cruzasse a leste com o iniciado de Góis também na tarde de sábado. Ontem de manhã havia indicação de que isso já tinha acontecido, porém este fogo alastrou sobretudo para norte. É difícil ter ideia do perímetro do fogo, uma vez que a Proteção Civil não disponibiliza essa informação. As primeiras imagens da extensão projetada para estes fogos foram conhecidas na segunda-feira, quando o sistema de monitorização de incêndios florestais EFFIS revelou as projeções de área ardida. Ontem o site europeu atualizou em baixo os cálculos e dá conta de 23.680 hectares ardidos no fogo de Pedrógão e 7794 hectares no fogo de Góis. Nestes dias, ardeu duas vezes mais território do que tinha sido consumido desde o início do ano. Ainda assim, os números ainda não superam os dos piores incêndios registados no país em matéria de área ardida. O fogo mais devastador de que há registo deflagrou a 31 de julho de 2003, na freguesia de São Matias, em Nisa (Portalegre). Arderam 41.079 hectares. 

Quantas localidades foram afetadas?
Desde sábado já foram evacuadas 40 aldeias, 13 na zona de Pedrógão e 27 em Góis. Foram ainda retirados 56 idosos de um lar.

Porque é que os feridos aumentaram?
No domingo, quando se soube que tinham morrido mais de 60 pessoas, foi revelado por fonte oficial que havia também cerca de cinco dezenas de feridos. Ontem o número disparou para mais de 130. De acordo com a explicação das autoridades, trata-se de pessoas com ferimentos ligeiros que não procuraram imediatamente socorro. Há sete vítimas em estado grave.

Como vão funcionar as indemnizações?
O fogo continua e ainda não existe uma contabilização dos prejuízos por parte das autarquias, embora haja nota pública de seguradoras no local. As estimativas apontam que 1500 pequenos ruminantes tenham morrido no fogo e já houve apelo a ajuda de veterinários, com a Ordem a disponibilizar apoio. O Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural explicou ao i como vão funcionar as indemnizações por parte do Estado. Logo que esteja delimitada a área ardida, será feita uma avaliação dos prejuízos e serão abertas candidaturas para indemnizar a perda de máquinas e outros equipamentos agrícolas, gado, culturas permanentes e instalações de apoio à atividade agrícola e pecuária. Uma portaria a publicar pelo governo vai regular todo o processo, sendo que a tutela avança que os apoios poderão cobrir 50% a 80% dos prejuízos, dependendo de os beneficiários terem ou não seguro. Fonte governamental explicou que esta regra é um incentivo à proteção por parte dos produtores, até porque os seguros têm comparticipação estatal. Assim, uma pessoa que tiver perdido por exemplo 200 vacas, mas só tiver 100 cobertas pelo seguro, poderá ser indemnizada pelo Estado em 80% das que não estão cobertas. Já alguém sem seguro na mesma situação só pode candidatar-se a indemnização a 50% da perda. A preparação deste processo por parte do Estado pode levar até duas semanas após o controlo do fogo. Não está definido à partida um montante máximo a disponibilizar.

De onde chegam os apoios à população?
Além da onda de solidariedade dos portugueses na oferta de bens a bombeiros, várias entidades e figuras públicas já fizeram donativos à população. André Villas Boas foi dos primeiros: ofereceu 100 mil euros. A Gulbenkian doou 500 mil euros e o Santander também. O BPI e a Fundação La Caxa disponibilizaram um milhão. O Grupo Montepio doou 250 mil euros, o santuário de Fátima 50 mil e a Misericórdia de Macau 250 mil. Foram também lançadas várias linhas solidárias, que pagam IVA. O Ministério das Finanças explicou ontem que, não sendo legalmente possível ao Estado não cobrar o IVA, o imposto vai reverter para iniciativas de apoio às vítimas dos incêndios.