Editorial do b.i.: A dignidade de dar

Deixo aqui um apelo. A Missão Esperança continua a precisar de voluntários para, e passo a citá-la «assegurar kits de alimentação, higiene e ração para os animais que são distribuídos no local; receber, triar e organizar roupa para as pessoas que ficaram sem casas e tirar escombros de casas ardidas».

Passou um mês desde a tragédia de Pedrógão Grande e a avalanche mediática assentou, como seria de esperar. Na semana passada, foi notícia o caos gerado pela inutilidade de algumas doações que por lá chegaram, desde vestidos de noiva a máscaras de Carnaval, escreveu o Jornal de Notícias.

Para dar, assim como para ser voluntário, é preciso muito maior preparação do que se possa pensar. É preciso escrutínio. Consciência. E nada disso tiveram as pessoas que aproveitaram para esvaziar os sótãos e encher de tralhas os pavilhões. E nada disso têm todos os que pensam que podem despachar as camisolas mais velhas, rotas e bafientas porque os coitadinhos dos incêndios agora têm que aceitar tudo.

Não escrevo de cor: a minha irmã esteve uma semana com os voluntários da chamada missão Esperança, a cargo dos Médicos do Mundo, em Castanheira de Pera.

Ela, habituada a estas lides – já fez voluntariado em aldeias recônditas do país junto da população mais idosa, animando os seus verões; já esteve numa missão em Moçambique e já revirou os armazéns de doações de centros de acolhimento temporário de crianças – desta vez, chegou diferente de todas as outras. Disse-me, com um peso na voz que nunca lhe tinha ouvido: «Nunca vi nada assim». Chegavam camiões e camiões com peças de vestuário que, de tão estragadas, foram colocadas diretamente no lixo.

Ora este caos logístico não só requer um número muito maior de voluntários como tem um efeito perverso: impede as populações que precisam efetivamente dos bens, que ficaram sem nada, de conseguir ter acesso a coisas cuidadas, como exigem os mínimos da sensibilidade do momento. Coisas tão simples como, por exemplo, jogos de cama. As pessoas que se dirigiam ao local acabavam muitas vezes por levar lençóis desemparceirados, quando debaixo da montanha de coisas inúteis havia roupa em condições que, simplesmente, ainda não tinha sido organizada.

‘Não há pai para os portugueses na hora de ajudar’, dizem as vozes destreinadas perante a pilha de doações. Pois devia haver. É sempre preciso um pai, ou uma mãe. Para tudo.

Deixo aqui um apelo. A Missão Esperança continua a precisar de voluntários para, e passo a citá-la «assegurar kits de alimentação, higiene e ração para os animais que são distribuídos no local; receber, triar e organizar roupa para as pessoas que ficaram sem casas e tirar escombros de casas ardidas». Caso possa doar-se em vez de doar, é entrar em contacto com os responsáveis pela missão dos Médicos do Mundo.