Que fazer com estes ministros?

Como os meus leitores sabem, nunca defendi a demissão de um governante em nome de uma difusa ‘responsabilidade política’. Para dizer a verdade, nem sei bem o que isso é. Sei o que é responsabilidade, mesmo que indireta. Se, por exemplo, um doente morrer em consequência de um erro grave da equipa médica que o…

Como os meus leitores sabem, nunca defendi a demissão de um governante em nome de uma difusa ‘responsabilidade política’.

Para dizer a verdade, nem sei bem o que isso é.

Sei o que é responsabilidade, mesmo que indireta.

Se, por exemplo, um doente morrer em consequência de um erro grave da equipa médica que o está a operar, não é aceitável que o chefe da equipa deite as culpas para cima do anestesista ou do enfermeiro; deve ser ele a assumir a responsabilidade e a arcar com as respetivas consequências.

Embora não sendo o autor do erro, é ele o orientador da equipa, cabendo-lhe acompanhar o seu trabalho e garantir que as coisas corram bem. 

A responsabilidade de um ministro é completamente diferente.

Abaixo dele existe um mundo: são milhares de pessoas em centenas de departamentos, com chefias intermédias atuando muitas vezes com enorme autonomia.

Um ministro não pode acompanhar tudo o que se passa nos organismos que tutela.

Por isso, dizer que ele é ‘responsável politicamente’ e que deve demitir-se quando alguma coisa corre mal na sua área, é pouco honesto.

É pretender fazer política com o infortúnio.

Assim, tenho advogado sempre a posição contrária: quando um cataclismo acontece, o ministro deve procurar identificar as suas causas e corrigir o que está mal, em vez de apresentar a demissão.

Demitir-se não resolve coisa nenhuma, correndo-se ainda por cima o risco de o ‘mal’ continuar lá.

Passando aos casos concretos de Constança Urbano de Sousa e Azeredo Lopes, há outra razão para não terem sido demitidos: o Governo não deve fazer o que a oposição pede.

A oposição não quer evidentemente o bem do Governo, quer o seu mal.

Ora, se demitisse a ministra da Administração Interna e o ministro da Defesa, como Assunção Cristas exige, António Costa estaria a favorecer os interesses da oposição.

Estaria a estender à oposição uma passadeira vermelha.

Por isso mesmo, na política, uma regra de ouro é não afastar ministros que estão debaixo do fogo adversário.

Dito isto, há no entanto um problema para resolver.

Que é este: daqui para a frente, sempre que Constança Urbano de Sousa aparecer, as pessoas lembrar-se-ão dos 64 mortos de Pedrógão.

E sempre que Azeredo Lopes aparecer, as pessoas recordarão as granadas, os explosivos e os lança rockets roubados em Tancos.

Ninguém vai esquecer isso.

Os rostos de Constança e Azeredo estão demasiado associados a esses dois acontecimentos para as pessoas não se lembrarem.

Ora, sendo normal António Costa pretender que esses infaustos episódios sejam rapidamente esquecidos, a presença dos dois ministros no Governo trá-los constantemente à tona.

Eles são a sua memória viva.

Não tendo qualquer responsabilidade no que aconteceu, estavam no ministério errado, na ocasião errada. 

Tiveram azar.

Mas a política é cruel e também se faz disso.

Tenho pois, para mim, que Constança e Azeredo já têm o destino traçado, e António Costa só esperará agora o melhor momento para os libertar. 

De certa maneira são dois fantasmas à espera de saírem de cena.

Não serão substituídos nas próximas semanas, nem talvez nos dois próximos meses, para não estabelecer uma relação de entre os acontecimentos de Pedrógão e Tancos e as suas saídas.

E deixarão o Governo no âmbito de uma remodelação onde, a par deles, sairão outros ministros, para baralhar as coisas – podendo mesmo sair algum nome inesperado.

Aliás, foi o que fez Cavaco com Leonor Beleza e Miguel Cadilhe: defendeu-os sempre, mas na primeira remodelação substituiu-os.

Quem não sairá de certeza é Mário Centeno, que há seis meses era o mais remodeláveis de todos os ministros e está hoje na situação oposta.

Tal como Ronaldo, é ele quem ‘marca os golos’ – e isso reflete-se na sua expressão, que passou de sofredora a sorridente.

Na política tudo muda num instante, como mais uma vez se viu.

Os célebres ‘cenários’ a médio e longo prazo feitos por distintos analistas servem para encher horas e horas de programações televisivas – mas não passam de meras fantasias.

P.S. 1 – Os secretários de Estado que se demitiram em consequência das viagens a convite da Galp alegaram fazê-lo para «não prejudicar» o Governo e pediram para ser constituídos arguidos. Ora, soube-se depois que tinham sido constituídos arguidos três dias antes. E é quase impossível que o não soubessem. Se fosse só um, já era difícil; sendo três, é inverosímil. Assim, quiseram dar ideia de que eram arguidos a seu pedido, para poderem esclarecer todas as dúvidas, e não por decisão da Justiça. Se foi isto o que se passou, como parece, tratou-se de uma fantochada indigna de pessoas adultas e muito menos de governantes. Que revela mais sobre eles do que a aceitação dos convites da Galp.

P.S. 2 – Nas últimas semanas defendi nesta coluna a criação de um Gabinete de Crise para enfrentar a tragédia de Pedrógão Grande. Na zoadeira, António Costa anunciou a deslocalização para Pedrógão da Unidade de Missão para a Valorização do Interior. Com o objetivo de, «diretamente no terreno», executar «nos sete concelhos martirizados pelos incêndios um projeto-piloto das políticas de revitalização do território e reordenamento florestal». Foi uma boa notícia.