Última Hora: Incêndios. Empresária contou mais de 80 mortos em Pedrógão Grande

O i divulga a lista, em constante atualização. Já se contabilizaram mais de 80 mortos, dos quais 73 estão confirmados pelas famílias com nomes completos, localidade e local da morte.

Isabel Monteiro, empresária de 57 anos, natural de Lisboa, reuniu uma base de dados com as vítimas mortais do incêndio dos concelhos de Pedrógão Grande e já contabilizou mais de 80 mortos, dos quais 73 estão confirmados pelas famílias com nomes completos, localidade e local da morte.

A intenção era criar uma lista de vítimas para a criação de um memorial na Estrada Nacional 236, hoje conhecida como “Estrada da Morte”, mas foi ao recolher a informação junto das famílias, funerárias, bombeiros e dados da comunicação social que Isabel constatou que o número de vítimas mortais seria superior ao número oficial divulgado pelas instituições do Estado. Começou então uma investigação de fundo e o total de mortos contados até à data, na sua base de dados, já ultrapassa os 80.

A experiência dizia-lhe que, para ser útil na situação de Pedrógão, teria de ir diretamente ao local e perceber de que tipo de ajuda as famílias precisavam.
O instinto tem uma história. Em 1996, na guerra do Kosovo, Isabel viu um apelo da AMI e da Cruz Vermelha Portuguesa e decidiu ajudar, mas apercebeu-se que os donativos não estavam a ser encaminhados. Organizou, nesse ano, o Concerto dos Cobertores, na Praça Sony, cujo bilhete de entrada era um cobertor que seria enviado para Kosovo. O evento foi um sucesso e Portugal foi o segundo país a entregar o maior número de cobertores no Kosovo. 
Isabel entrou em conflito com a AMI e pressionou o governo para ir diretamente no avião C130, que transportou muita da ajuda humanitária enviada de Portugal. Quis ir diretamente ao local dos acontecimentos entregar em mão a ajuda às vítimas do histórico conflito.

Isabel contou ao i que aprendeu com essa experiência a não doar dinheiro ou a entregar donativos sem ser diretamente a quem precisava e, ao saber da catástrofe de Pedrógão, decidiu pôr em prática mais uma vez o método de solidariedade direta.
“Fui a primeira vez a Pedrógão no dia 21 de junho. Dirigi-me ao quartel dos bombeiros e fiquei mesmo muito impressionada com tudo o que vi. Decidi então recolher donativos e voltei no dia 3 de Julho. Fui diretamente à junta de Castanheira de Pêra levar donativos que uns amigos da família que teve nove vítimas mortais me pediu para entregar”, conta. “Fui recebida por uma senhora que me disse que não era a Junta que tratava desse assunto e mandou-me entregar tudo aos Médicos do Mundo”. 
Isabel que se recusa a entregar donativos às ONG, decidiu seguir caminho pelas aldeias. Foi então que o seu grupo de voluntários se cruzou com quatro senhoras que recolhiam sementes de eucalipto, na localidade de Vermelho, certificando-se de que estas árvores não voltariam a crescer perto das suas zonas de habitação. As mulheres, apesar de terem perdido todas as árvores e hortas, não quiseram receber donativos uma vez que as suas casas por dentro estavam intactas. "Foi aí que me disseram pela primeira vez que o número de mortos seria muito superior ao anunciado".

A Contagem
“Falaram-me de uma família de duas pessoas que salvaram tudo sozinhos e deixámos lá donativos, já que tinham dado abrigo à sobrinha que só tinha a roupa do corpo desde o dia do incêndio”, conta ao i. 
Foi depois deste contacto que Isabel decidiu ir à aldeia de Nodeirinho, uma vez que tinha sido uma das localidades mais faladas na comunicação social. “Quando cheguei lá, as pessoas estavam todas reunidas na capela. Falei com toda gente, disseram-me o que lhes fazia falta e voltaram a confirmar a teoria de que o número de mortos seria muito superior ao anunciado” . 
Isabel, intrigada com o assunto, terá falado telefonicamente no sábado dia 8 de julho com uma agência funerária em Vila Facaia que pelo telefone lhe confirmou, mais uma vez, que o número era muito superior. Abordou os funcionários com uma história que acabara de inventar. “Tive de inventar uma história, caso contrário nunca se iriam abrir comigo. Falei-lhes então que procurava um rapaz amigo de uma amiga minha que estaria a chegar para o tentar encontrar e que precisava de saber se o nome dele estaria entre os 64 mortos”. 
Terá sido neste momento que a primeira pista lhe foi dada. Uma das funcionárias terá respondido sob pressão com um sincero “eu sei lá menina, são muito mais, só eu vi mais de 95 corpos”, desabafo que Isabel nunca mais conseguiu que se repetisse, já que a senhora em causa nunca mais o confirmou.

Isabel explica ao i que, nas suas visitas às localidades dos concelhos afetados pelo incêndio, “os locais estão muito pressionados politicamente e há um estado de medo instalado”. 
Mas ao falar com as famílias de luto, a ideia da criação de um memorial surgiu. “É o mínimo que se pode imaginar depois de uma tragédia destas, nada faz sentido se não houver uma homenagem a todos os que morreram”.

A empresária de Lisboa terá então iniciado um processo de recolha de informação. "Primeiro procurei tudo o que a imprensa tinha escrito sobre os mortos, chegando mesmo a perceber que tinham dado como mortas pessoas que estavam vivas. Com o é o caso da dona Gina, que estava internada e viva e na comunicação social deram o nome dela como falecida”. 
Ao verificar se os dados da imprensa estavam corretos, comecei a ir de família em família, a abordar bombeiros e cheguei a contar as campas frescas de um dos cemitérios para confirmar que os números são superiores, parece macabro mas tive de o fazer”.

Segundo Isabel e dois bombeiros que não querem ser identificados, várias vítimas foram encontradas mortas depois de os números oficiais terem sido dado como certos. Terá sido o caso de Leonor Silva Henriques e Armindo Henriques Modesto que não estavam referenciados em lugar nenhum, mas morreram dentro do carro de Anabela Lopes Carvalho, de Sarzedas, que circulavam na EN236. 
Otília, irmã de Anabela, teve de identificar o corpo da irmã na estrada e falou a Isabel dos dois acompanhantes da irmã que não faziam parte das listagens.

Também Fernando, de Campelo, foi encontrado carbonizado por uma local de Pobrais no meio do mato vários dias depois. “Estes corpos foram encontrados e enterrados mas os números nunca foram atualizados”, explica Isabel Monteiro.

O i contactou várias das famílias das vítimas que pertencem à listagem de Isabel e que pedem para não ser identificadas, mas que garantem que o número de mortos (64) dado pelas autoridades "está muito longe da verdade".

Isabel Monteiro e a sua amiga Ana Sousa e Silva juntaram algum dinheiro e, com a ajuda e confiança do padre da Paróquia de Nossa Senhora dos Navegantes, no Parque das Nações, e um de Bragança, conseguiram uma quantia de dinheiro que lhes permitiu a aquisição local de animais e hortícolas para doar às famílias. Compraram 80 animais (com 208,99 euros) e com 197 euros compraram 700 mudas de hortícolas que transportaram às famílias afetadas pelos incêndios. Foi aí que constataram que, depois de 30 dias, a ajuda ainda continuava por chegar. “Chegaram-me a dizer que havia certamente mais de 100 mortos, eu não queria acreditar. Mas realmente assim que comecei a juntar toda a informação percebi que pelo menos mais de 80 mortos tínhamos listados”.

Para Isabel há demasiadas falhas em tudo que se relaciona com este assunto, como o exemplo dos questionários online para as vítimas dos incêndios. “Como é que o ministério da agricultura espera que idosos que não fazem ideia do que é usar a internet, depois de todo o trauma, ainda preencham formulários?”, pergunta. O formulário poderia ser entregue na Câmara Municipal até ao sábado dia 15 de julho.

Como Alcafache 

No dia 13 de julho, às 18h21, Isabel publicou a lista na sua página do facebook pedindo que a ajudassem a atualizar e a corrigir os dados disponíveis. “As chamadas, até hoje ainda não pararam, sempre com novas informações”.

“Isto como bombeiro não me surpreende, já tivemos situações destas em Portugal, como no caso do comboio de Alcafache que nunca chegaram a dar o número real de vítimas e soubemos de corpos enterrados em vala comum”. O bombeiro de Viseu conta que militares já lhe haviam falado de um número de mortos muito superior ao anunciado, logo no primeiro dia de acção em Pedrógão. “Entre pessoal das operações sempre se ouviu falar em mais de 100 mortos. Mas sempre se falou disto sem provas, eram apenas boatos. Agora há nomes, como é que se mentem nomes de pessoas?”.

Segundo a empresária e os dois bombeiros que o i contactou, têm sido várias as pressões para que este assunto “morra na praia”. “Disseram-me que devia estar calada porque isto envolve interesses nacionais. Mas eu não quero viver num país em que interesses do Estado valem mais do que vidas humanas”.

A Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) reiterou neste sábado que o incêndio do mês passado em Pedrógão Grande fez 64 vítimas mortais, em "consequência directa" do fogo, e que outros eventuais casos não se integram nos critérios "definidos". Os critérios que foram identificados para apurar as vítimas do incêndio são "mortes por inalação e queimaduras", resultantes do fogo, adiantou à agência Lusa a adjunta nacional de operações Patrícia Gaspar.

Segue-se a listagem das vítimas mortais contabilizadas por Isabel Monteiro, que reuniu informação com famílias, populares, funerárias e bombeiros.

Lista de vítimas mortais confirmados na EN236 (O número está em atualização constante)

1. Fausto Lopes da Costa

(73 anos)

2. Lucília Simões (70 anos)

3. Fernando Rui (48 anos)

4. Luís Fernando (5 anos)

5. Ana Boleo Tomé

6. Miguel Costa

7. Ana Mafalda Lacerda

8. Joaquim (4 anos)

9. António (6 anos – esta família de nove pessoas fugiu de casa com a mesa posta para jantar e morreram na estrada)

10. Maria Cipriano (59), empresária natural de Serpa vivia na Amadora

11. Manuel André Almeida (esposo de Maria)

12. Aurora Abreu (ia com marido, filho e nora estrear

a casa remodelada)

13. Manuel Abreu (esposo de Aurora)

14. Fernando Abreu (Monte Abraão, filho de Manuel e Aurora)

15. Arminda Abreu (esposa de Fernando)

16. Sérgio Machado (35 anos – vivia em Sacavém tinha ido com esposa e filhos à Praia das Rocas)

17. Lígia Sousa (35 anos – esposa de Sérgio)

18. Bianca (4 anos – filha de Sérgio e Lígia)

19. Martim (2 anos – filho de Sérgio e Lígia)

20. Susana Pinhal (41 anos – vivia em Póvoa de Santa Iria)

21. Margarida Pinhal (12 anos – filha de Susana)

22. Joana Pinhal (15 anos – filha de Susana)

23. José Maria Graça (68 anos – vivia na Bobadela)

24. Maria da Conceição Graça (66 anos – esposa de José)

25. Ricardo Martins (37 anos)

26. Fátima Carvalho (57 anos – mãe de Ricardo, era de Pobrais, Vila Facaia)

27. Jaime Mendes Luís (52 anos -padrasto de Ricardo )

28. Ana Henriques (30 anos – namorada de Ricardo)

29. Eduardo Costa (60 anos – era da Pontinha, deixa dois filhos)

30. Maria Cristina (56 anos – esposa de Eduardo)

31. Anabela Silva Lopes Carvalho

32. Leonor Silva Henriques (ia no carro de Anabela Carvalho)

33. Armindo Henriques Modesto (ia no carro de Anabela Carvalho)

34. Anabela Esteves (47 anos)

35. Anabela Araújo (38 anos amiga e vizinha de Anabela Esteves fugiam do incêndio no mesmo carro)

Note-se que o Governo anunciou 47 mortes na EN 236 mas só 38 foram confirmadas nesta lista

 

Confirmados em outros locais

36. António Lopes (88 anos – morreu abraçado à sua esposa debaixo dos escombros da casa)

37. Augusta Lopes (87 anos – esposa de António)

38. Sara Costa (35 anos – morreu em casa deixou um filho de 7 anos)

39. Alzira Carvalho da Costa (71 anos – atropelada a fugir das chamas, sepultada em Vila Facaia)

40. Eliana Damásio (38 anos – sepultada no cemitério de Sarzedas)

41. António Damásio Nunes (41 anos – sepultado no cemitério de Sarzedas)

42. Nélson Damásio (33 anos -sepultado no cemitério de Sarzedas)

43. Paulo da Silva (36 anos – sepultado no cemitério de Sarzedas)

44. Vítor Manuel Rosa (56 anos – corpo encontrado em casa em Pobrais e retirado dia 19)

45. Gonçalo Conceição (39 anos – bombeiro)

46. Alphonse Conceição (75 anos – emigrante em França)

47. Sidel Belchior (37 anos viajava com o sobrinho na estrada de Nodeirinho teve um acidente em consequência do incêndio)

48. Rodrigo (4 anos – sobrinho de Sidel)

49. Odete Antunes (avó de Bianca, fugiu de casa com a neta ao colo em Nodeirinho)

50. Bianca (4 anos)

51. Felismina Rosa (83 anos – morreu em casa em Avelar)

52. Luciano Joaquim (78 anos – morreu perto de Vila Facaia)

53. Luísa Rosa (cerca de 50 anos, de Lisboa)

54. Sara Antunes (33 anos – de Lisboa, nora de Luísa)

55. Vasco Rosa (cerca de 50 – de Lisboa, cunhado de Luísa)

56. Dídia Augusto (53 anos – de Balsa, invisual morreu agarrada à cama)

57. Anabela Quevedo

58. Manuel Bernardo

59. Maria Odete Anacleto (esposa de Manuel)

60. Mário Carvalho (em Nodeirinho)

61. Diogo Costa (21 anos esteve desaparecido 8 dias, segundo uma vizinha. Saiu para procurar o tio)

62. Jaime Mendes

63. Helena Henriques

64. José Henriques da Silva

65. Fernando Santos (encontrado carbonizado numa mata em Pobrais vários dias depois)

66. José Rosa Tomás (morreu no hospital, era de Nodeirinho, funeral a 17/7)

67. Armindo Rodrigues Medeiro

68. Esposa de Armindo

69. Fernando Silva (de Castanheira de Pêra, informação da segurança social local)