Afeganistão: a guerra (também é) de Trump

Em Cabul já houve um tempo em que as mulheres andavam de mini-saia, a vodka corria nos bares e os hotéis serviam foi gras.

Em Cabul já houve um tempo em que as mulheres andavam de mini-saia, a vodka corria nos bares e os hotéis serviam foi gras. Consta que foi com uma foto a preto e branco desse tempo, na década de 70, que HR McMaster terá convencido Donald Trump a reavaliar a sua posição para o Afeganistão. Perante os avanços dos Talibãs e do Daesh, os EUA já não vão retirar. A mais longa guerra americana vai continuar com, pelo menos, mais 4000 homens no terreno. Trump preferiu dar mais atenção aos seus conselheiros do que aos seus instintos: “os homens e mulheres que servem a nação em combate merecem um plano para a vitória.” Qual é a definição de vitória, em que prazo temporal (provavelmente largo) e com que recursos empenhados (certamente mais) são as grandes questões que continuam em aberto.

O discurso de Trump, complementado pelo de Rex Tillerson, permite antever que a estratégia para a guerra siga em quatro eixos.  

Primeiro: com mais botas no chão, as operações de contra terrorismo e o empenhamento de forças em combate ao lado dos parceiros afegãos serão mais constantes. Segundo: para que Cabul possa caminhar pelo seu próprio pé, é crucial acelerar os processos de treino e mentoria das forças afegãs, que só o ano passado perderam 6700 homens. Terceiro: o aumento de forças militares corresponderá a um aumento da pressão política sobre o governo de Cabul para que mostre competência no ataque à corrupção endémica e vontade de reformar a débil economia afegã, híper-dependente da agricultura e dos opiáceos. Várias administrações americanas aprenderam às suas custas que isto pode ser tão difícil como mover o Hindu Kush. O governo de Cabul é um espelho das profundas divisões étnicas e tribais responsáveis pela corrosão da estabilidade política. E em cima das disputas sectárias há a questão de sempre: vastas áreas do território não têm vestígio do Estado. Um documento do Congresso estima que Cabul controle apenas 57 entre os mais de 400 distritos do país.

Quarto: Washington deverá fazer maior pressão sobre os principais atores geopolíticos no teatro afegão. O Paquistão tem a sua impressão digital no patrocínio dos movimentos extremistas pashtun e é condescendente com as atividades terroristas nas suas zonas tribais. E isso não deverá mudar porque a ideia de segurança nacional de Islamabad passa pela utilização de grupos radicais afegãos nos jogos de guerra assimétrica contra a Índia. A Rússia sempre entendeu o Afeganistão como parte da sua esfera de influência e como importante zona tampão na sua fronteira sul. E a China parece estar mais interessada na riqueza mineral do país. As reservas de cobre, ouro e sobretudo lítio, têm um valor estimado de um a cinco triliões de dólares. Um memorando do Pentágono de 2010 fala do Afeganistão como “a Arábia Saudita do lítio”, um metal essencial para o desenvolvimento tecnológico de indústrias de topo.

Com o tempo a jogar a favor dos talibãs, os EUA renovam o seu empenhamento no teatro de operações com objetivos menos ambiciosos do que os enunciados em 2001 por George W. Bush. Espera-se que para Cabul volte a haver um tempo em que as mulheres andem de mini-saia e a vodka se beba nos bares. Mas o sonho americano de um Afeganistão liberal está tão enterrado como os destroços de blindados soviéticos nas bermas das poeirentas estradas afegãs.