Novas escutas na Operação Marquês: ‘O m**das do Costa está cheio de ciúmes de mim e não tem tomates [sic] para ser 1º ministro’

Novas escutas na Operação Marquês revelam as relações tensas entre o antigo primeiro-ministro e líder socialista e o atual. Sócrates preferia o ‘amigo’ Marinho e Pinto para líder do PS. 

José Sócrates considerava que António Costa não tinha «tomates» (sic) para ser primeiro-ministro, sugerindo o nome de Marinho e Pinto para líder do Partido Socialista.

Estas afirmações foram feitas em 2014, após os avanços e recuos do então presidente da Câmara de Lisboa para tomar a liderança do PS. António Costa, recorde-se, ameaçou por duas vezes avançar contra António José Seguro, mas recuou no último momento.

A 24 de julho, Sócrates fala do assunto com José Almeida Ribeiro. Este estivera no SIS e fora depois seu secretário de Estado adjunto, mas virara conselheiro político de Seguro. No entanto, mantém contactos com o antigo primeiro-ministro, colocando-o a par das andanças de Seguro. Na dita conversa, Sócrates adianta: «Marinho Pinto devia ser o líder do PS. É que, se, por absurdo, Seguro ganhar, vai governar com quem?».

 

‘Ele sempre foi muito meu amigo’

Já não era a primeira vez que Sócrates elogiava Marinho e Pinto. No dia das eleições europeias, dois meses antes, quando era já certa a eleição do ex-bastonário da Ordem dos Advogados pelo Movimento Partido da Terra, este autoproclamara-se o portador da mudança da vida política portuguesa, prometendo «redignificar a democracia, a política e o regime».

A classe não gostou e os ataques não tardaram. Mas, no dia seguinte, Sócrates fez a sua defesa, durante uma conversa com António Peixoto (o responsável do blogue Câmara Corporativa, suspeito de ter sido pago pelo ex-primeiro-ministro para apoiar as suas políticas): «Ele sempre foi muito meu amigo, sempre foi contra a corrente». Peixoto, uma espécie de seu conselheiro político, recorda casos de Justiça em que Marinho e Pinto saiu em defesa de figuras do PS: «E também defendeu Ferro Rodrigues no caso Casa Pia».

O certo é que Sócrates, após perder as eleições legislativas de 2011 para Passos Coelho, e sobretudo quando regressou a Portugal após o seu interregno em Paris, sempre pensou voltar à arena política e reaver o poder. A estratégia estava montada para fazer com que o eleitorado esquecesse a situação calamitosa em que deixara os cofres do Estado em 2011, e a chamada da troika.

 

 Queria voltar a ser primeiro-ministro

Com um programa ao domingo na RTP e o lançamento do livro A Confiança no Mundo – uma reflexão acerca do uso de métodos de tortura pelos Estados democráticos, obra que o Ministério Público suspeita ter sido de facto escrita, total ou parcialmente, pelo professor catedrático Domingos Farinho –, Sócrates voltava em grande. Mas, ao contrário do que pensava a maior parte dos comentadores políticos, nunca esteve tentado pela Presidência da República. José Sócrates queria reconquistar a liderança do PS e regressar depois à chefia do Governo.

À sua frente no partido, Sócrates tinha, porém, três nomes: António José Seguro, António Costa e o açoriano Carlos César.

Ao primeiro, iria fazer tudo para lhe tirar o tapete.

O segundo era um osso mais duro de roer: desde que, em 2007, deixara o Governo para se candidatar à Câmara de Lisboa, António Costa criara na esquerda a expectativa de vir a ser o futuro líder do PS e primeiro-ministro, além de as sondagens lhe darem uma margem de grande avanço em relação a Seguro. À última hora, porém, António Costa acabara por recuar – e Sócrates achava que esta sua característica não iria mudar.

Em relação a Carlos César, Sócrates considerava que a Presidência da República lhe assentaria bem, pelo que não o incomodava.

Mas, se Seguro estava claramente na sua lista de adversários a abater, em relação a Costa tinha sentimentos ambivalentes.

 

‘Amanhã vou dar uma entrevista ao NY Times…’

No dia do lançamento de A Confiança no Mundo, a 23 de outubro de 2013, após a apresentação feita por Lula da Silva, prefaciador da obra, Sócrates fala ao telefone com Guilherme Dray, seu antigo chefe de gabinete no Governo, e diz claramente o que pensa de Seguro e Costa.

António José Seguro não aparecera no Museu da Eletricidade. E Dray – que fora à cerimónia no mesmo carro em que seguiam Mário Soares e Manuel Alegre – faz a Sócrates o resumo das conversas que ouvira durante o percurso de regresso: «O Soares disse que o nosso amigo [Seguro] não apareceu e Alegre diz que ele tem medo da própria sombra, para mais com o partido lá todo!».

Sócrates acrescenta: «Ainda por cima foi dizer que não tinha sido convidado, e foi, como todos os deputados. Agora, não lhe mandei nenhum cartão, porque não sou cínico». E, deslumbrado com o sucesso da cerimónia, gaba-se: «Amanhã, vou dar uma entrevista ao New York Times e ao Le Monde para eles saberem o que a casa gasta».

António Costa também não é esquecido na conversa. Guilherme Dray lamenta a sua ausência nas cadeiras da frente: «Foi pena o Costa. Parece que não conseguiu entrar…». Mas o interlocutor, de ego insuflado, interrompe-o: «Ele é um m**das. Tinha lugar mesmo à minha frente, ainda o foram buscar à fila, mas ele não quis entrar. É porque já não ia com vontade…».

Dois dias depois, numa conversa com o amigo e deputado Renato Sampaio, José Sócrates volta à carga: «Os da direita estão cheios de medo [de mim] e o m**das do Costa está cheio de ciúmes». Voltar à liderança do partido e às rédeas do poder era para ele, mais do que uma prioridade, uma ‘predestinação’ de um homem criado na província.

 

O chefe que a direita queria ter

Foi esta ideia, aliás, que fez passar numa entrevista ao Expresso, dias antes de o livro ser lançado. O jornal promoveu abundantemente a entrevista no seu site, destacando algumas frases. Numa delas, Sócrates afirmava ser «o chefe democrático que a direita sempre quis ter». A ‘esquerda’ do PS não gostou. E os comentários choveram nas redes sociais.

José Sócrates liga então a António Peixoto, sempre disposto a fazer a defesa dos seus interesses no Câmara Corporativa: «Viu o site do Expresso?», pergunta. Claro que o outro tinha visto. Sócrates tenta então explicar o alcance da sua mensagem. Mas nem Peixoto o entendia: «Não foi assim que interpretei. A ideia com que se fica é que disse que era o líder que a direita gostaria de ter». Mas Sócrates corrige: «Não. Eu tenho as características de líder que a direita julga exclusivas da direita. Nunca me perdoaram o carisma».

Os mais próximos, como Pedro Silva Pereira e Manuel Alegre, que lhe telefonam, também fazem reparos – e Sócrates começa a ficar preocupado com o efeito que a afirmação possa provocar quando o Expresso for para as bancas. E Peixoto receia que Clara Ferreira Alves, autora da entrevista, pregue alguma rasteira. Mas Sócrates prevenira-se: «Falei com o Mário Soares, que falou com a Clara, que lhe disse que eu não tinha de ficar preocupado porque ela fez o seu melhor. E o Ricardo Costa até me disse que estava um grande texto».

 

Carlos Santos Silva paga jantares de Sócrates e amigos

No ano seguinte, já Sócrates tinha novo livro em marcha, precisamente sobre o carisma na política – característica que, como já comentara com Peixoto, achava ser-lhe intrínseca. Mas, ao contrário do que julgara inicialmente, o país ainda não estava preparado para o receber de braços abertos e a sua grande aposta continuava a ser retirar Seguro da liderança do Partido Socialista.

À sua volta, tem uma corte de seguidores com quem conspira semanalmente: Pedro Silva Pereira, Vieira da Silva, João Constâncio (filho de Vítor Constâncio) e João Galamba são alguns dos convivas. Era rara a sexta-feira em que o grupo não se reunia ao jantar no Tertúlia do Paço, um restaurante no Lumiar conhecido pelo marisco e peixe de excelência.

Em dois anos, Carlos Santos Silva (o amigo de Sócrates que titulava as suas contas bancárias) pagou mais de 20 mil euros em refeições nesse restaurante. De tempos a tempos, Santos Silva recebia a conta das comezainas do grupo. A 28 de Julho de 2013, por exemplo, enviam-lhe o seguinte sms: «Sr. Eng.º, o total é 5.620,47 euros. Obrigado».

Neste grupo, porém, havia agentes duplos. Galamba mantém relações com Sócrates mas também com Costa. Em março, por exemplo, António Peixoto reencaminha a Sócrates um sms enviado por João Galamba a António Costa, e transmite-lhe uma informação que Galamba lhe passara: «Disse-me que o Costa quer chegar a primeiro-ministro e não a Presidente da República».

E Sócrates, que não encontrava ninguém para esse cargo melhor do que ele próprio, conclui: «O Costa não tem ‘tomates’ para isso».