E-mails. Empresas podem ler mensagens pessoais dos trabalhadores

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem confirmou que as empresas podem ter acesso aos conteúdos das mensagens pessoais dos trabalhadores, mas deixa alerta: estes têm de ser avisados previamente

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem confirmou ontem que as empresas podem consultar o conteúdo dos e-mails e mensagens enviadas pelos seus trabalhadores através de dispositivos da empresa, sob a condição de que essa consulta só será feita após o trabalhador ter sido avisado previamente dessa monitorização. A decisão tomada veio na sequência de um caso que ocorreu na Roménia, onde um trabalhador foi despedido por ter usado alguns materiais da empresa para uso pessoal.

Um Caso original

O caso remonta a 2007, na Roménia, quando Bogdan Mihai Bãrbulescu, um engenheiro romeno de 37 anos, foi despedido. A empresa usou o argumento de que o homem tinha utilizado computadores e fotocopiadoras profissionais para propósitos pessoais. O caso chegou ao tribunal e a batalha foi travada entre o engenheiro e o estado da Roménia, mas só no ano passado, em janeiro, é que foi tomada e conhecida a sentença, onde o tribunal se declarou a favor do estado. No entanto, o engenheiro não ficou indiferente à resposta obtida e decidiu recorrer, tendo pedido para que o caso fosse novamente revisto.

Depois de mais de um ano à espera, só ontem é que se conheceu a resposta do seu pedido tendo o tribunal decidido a seu favor. Este chegou à conclusão de que o homem não tinha sido previamente avisado da possibilidade de os seus empregadores poderem monitorizar as comunicações feitas dentro do trabalho, tornando-se no fator crucial para a decisão de reformular a sentença.

A sentença foi, assim, reformulada a favor do engenheiro, tendo-se estabelecido que o estado romeno teria de reembolsar o queixoso. O valor era correspondente aos gastos que o homem teve ao longo do processo, o correspondente a um valor de 1365 euros.

Em portugal

Segundo referiu ao i Teresa Moreira, doutorada em Ciências Jurídico-Empresariais e professora auxiliar da Escola de Direito da Universidade do Minho, a lei portuguesa é bastante diferente da que presenciamos no caso da Roménia.

De acordo com o artigo 34º da Constituição da República Portuguesa, “o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis”, e portanto a decisão tomada pelo Tribunal dos Direitos do Homem não vem alterar ou acrescentar nada ao quadro legislativo vigente no nosso país.

“Não existirá alteração, até porque nós já temos uma legislação muito protetora a este nível”. Esta decisão apenas servirá como uma forma de advertência para as empresas. Caso estas queiram fazer algum controlo das comunicações realizadas pelos seus empregados através dos meios profissionais, terão de estabelecer algumas regras, pois sem um aviso prévio o controlo das comunicações não é válido. “Tem de ser avisado previamente, mas mesmo assim há muitas restrições quanto à análise do conteúdo privado, bem mais do que se calhar nesse caso da Roménia. Há mais restrições exatamente porque temos a previsão constitucional”, explicou Teresa Moreira.

Em Portugal, mesmo as empresas que estabeleçam uma proibição absoluta do uso dos meios profissionais para fins pessoais, não podem visualizar ou ter acesso ao conteúdo em si, isto é, o acesso aos dados tem de ser externo, pois para que este possa ser utilizado como prova o empregador deve ter em conta apenas o remetente e ver se realmente o assunto é privado ou não. Caso se presuma que o conteúdo da mensagem se trata de algo profissional e, ao abrir a mensagem reparar-se de que é afinal um conteúdo privado, este não pode continuar a ser lido nem pode ser utilizado como prova. “Para se utilizar tem que se ver o remetente”, para ver se o assunto é privado ou não, pois só assim é que o trabalhador pode ser punido e a mensagem pode ser apresentada como prova, completou a professora.

A sensibilização para estas medidas de controlo já começam a ser notáveis no nosso país e, apesar de em algumas empresas se notar mais do que em outras, tanto os empregadores como os trabalhadores dentro da empresa já começam a ficar mais conscientes de que existem algumas regras acerca desse assunto.

No entanto, segundo alertou Teresa Moreira as normas impostas pelas empresas terem de ser proporcionais. “As regras têm de ser proporcionais à finalidade. Não se pode proibir por proibir, existem muitas condições para se puder utilizar como prova”, rematou Teresa.