Neeleman esvazia TAP

O Governo é maioritário, mas quem manda são os privados e quem mais ganha é a companhia brasileira de David Neeleman, Azul, que viu finalmente as contas levantarem voo.  Decisões de partilha de rotas e mudanças na administração têm causado tensão à esquerda.

Existe cada vez menos espaço a separar a TAP da brasileira Azul. A aproximar as duas companhias está, desde cedo, o facto de haver um nome em comum: David Neeleman, que é sócio na transportadora portuguesa e dono da companhia brasileira. As mudanças na velha transportadora nacional beneficiaram, desde sempre, a companhia do empresário. Em janeiro de 2016, a Azul começou por fornecer aviões à TAP, a preço de mercado – foi anunciada uma frota de 17 novos aviões fornecidos pela Azul, em regime de leasing, numa operação avaliada em 400 milhões de euros –, quando as aeronaves estavam com baixa atividade no Brasil. No entanto, os lucros deste casamento não ficaram por aqui. Rapidamente, começaram a multiplicar-se oportunidades para Neeleman, que tem visto as contas da Azul melhorar desde que ganhou a privatização da companhia portuguesa num consórcio com Humberto Pedrosa.

Agora, é dado mais um passo: haverá cada vez mais partilha de rotas. De acordo com o presidente da companhia aérea brasileira, John Rodgerson, a ideia é que passem a existir cada vez mais ligações partilhadas pelas duas transportadoras. Em entrevista ao Valor Económico, Rodgerson fez saber que a integração é de tal ordem profunda que as companhias passam a decidir os voos em conjunto, assim como passam a dividir os lucros e os custos de todas as operações. No setor, há até quem garanta que o próprio sistema informático vai passar a ser partilhado pelas duas companhias.

No início desta parceria, a Azul passou a fazer alguns voos que eram da velha TAP no Brasil como, por exemplo, a ligação Lisboa/São Paulo (Viracopos). O acordo de code-share, que permite venderem bilhetes uma da outra, começou desde cedo e já desde fevereiro do ano passado que se esperava que fossem tomadas mais decisões que beneficiassem a brasileira, que começou 2016 com tantas dificuldades financeiras que chegou a ser obrigada a devolver aviões.

Agora, esperam-se novas mudanças. Recentemente, a Azul chegou a um acordo de parceria com a alemã Condor, abrindo assim a possibilidade de 22 destinos no Brasil. Uma decisão polémica, já que esta parceria poderá concorrer com a TAP, cuja operação para o Brasil, via Lisboa, se baseia na captação de passageiros de toda a Europa. Nem Humberto Pedrosa, também ele acionista do consórcio Gateway, sabia que tal acordo, desenvolvido num mercado estratégico da TAP, existia.

 

Troca de cadeiras

A par das alterações em toda a operação das duas companhias, têm sido feitas ainda alterações ao nível da liderança das transportadoras. Antonoaldo Neves, que até aqui estava como presidente executivo da Azul, vem para administrador da TAP, em substituição de Trey Urbahn. Para o seu lugar vai entrar John Rodgerson, que era diretor financeiro.

Mas não fica por aqui. Em junho deste ano, era notícia que Neng Li, administrador da companhia aérea brasileira de David Neeleman – onde o grupo chinês detém 22% –, também passa a ter assento na TAP. O gestor entrou para a administração da Azul em outubro do ano passado e passa agora para a lista de nomes da transportadora portuguesa.

 

Mudanças marcam nova fase

Depois de ter sido privatizada e de, mais tarde, ter sido revertido todo o processo, já muito mudou na companhia aérea portuguesa. Mudou quem manda, mudou quem decide, mudaram algumas das rotas, mudaram as condições para quem viaja. E vai até mudar o nome porque passará a ser TAP Air Portugal.

Desde que a TAP começou a mudar, com a entrada de acionistas privados e uma posição do grupo HNA, a companhia tem apostado em novas rotas e em reestruturações que parecem estar a dar folgo não apenas à TAP, mas também e principalmente à companhia aérea de David Neeleman, que conseguiu este ano a tão desejada estreia na bolsa: não foi sequer à terceira, foi mesmo preciso ir à quarta, mas a Azul conseguiu finalmente entrar nas cotadas. No arranque das negociações valia 21,97 reais, mais 4,62% que os 21 reais por título a que o IPO foi consumado. A operação permitiu um encaixe de 456 milhões de euros. Recorde-se que a Azul é uma das maiores companhias aéreas do Brasil, mas as contas estavam a ser, nos últimos anos, um problema.

As contas da brasileira melhoraram, com a receita operacional da transportadora de Neeleman, em 2016, a ser de 6,67 mil milhões de euros, o que representou um crescimento de 6,6% em comparação com 2015. Tempos houve em que a Azul tinha prejuízos acumulados na ordem dos 59 milhões de euros. De acordo com o Globo, a empresa estava então numa situação muito complicada. Com as contas no vermelho, a Azul chegou a ser obrigada a devolver 20 dos 140 aviões que faziam parte da frota. E, de acordo com a publicação brasileira, 15 eram para a TAP.

 

TAP gera tensão à esquerda

O caso da TAP e muitas das alterações que têm sido feitas na seio da companhia aérea têm merecido opiniões mais negativas da parte do PCP e do Bloco de Esquerda. Uma das questões que mais provocou desconforto e tensão à esquerda foi a nomeação de novos corpos sociais. O PCP apressou-se a criticar as escolhas do Executivo de António Costa e o Bloco de Esquerda levantou várias questões relacionadas com os critérios da s mesmas. Em causa estava a nomeação dos novos membros do Conselho de Administração. Miguel Frasquilho ficou como presidente e Diogo Lacerda Machado, Esmeralda Dourado, Ana Pinho, Bernardo Trindade e António Menezes ficaram como vogais. No Parlamento, o deputado Heitor de Sousa sublinhou que «não pode ser escamoteada a opacidade, a falta de transparência e a ausência de critérios que, em regra, acompanham estas nomeações, desde sempre. Com frequência, nomeados e ex-nomeados, transitam entre diversas empresas públicas e privadas, como se tais transações fossem naturais e eternas». Mas houve uma outra questão levantada: «Como explica o Governo que apenas um entre seis dos membros agora nomeados para o Conselho de Administração (António Menezes) apresente experiência profissional no setor do transporte aéreo?»

Agora, todas as decisões que têm sido anunciadas e que beneficiam principalmente a Azul também são questionadas. Ao SOL, Heitor de Sousa explica: «A TAP serviu como porteiro para a Azul entrar na Europa. Estendemos a passadeira vermelha, numa decisão inaudita. Além disso, é preocupante ver que o Governo se demitiu de assumir o papel de maior acionista da empresa». No entanto, o deputado deixa claro que vai «obrigar o Governo a, pelo menos, responder a isto e a esclarecer todas estas questões».

Também Bruno Dias, deputado do PCP, afirma ao SOL que «é claro que os interesses da Azul se têm vindo a sobrepor aos da TAP. Há muito tempo que consideramos que a companhia tem de ser protegida e isso não tem acontecido».