Resultados e perceção dos resultados

Se houve um vencedor indiscutível das eleições autárquicas de domingo foi, obviamente, António Costa. Pelos resultados obtidos pelo PS e pela dimensão da vitória tal como foi percecionada pela opinião pública (e transmitida pelas televisões e pela esmagadora maioria dos jornais). Se houve derrotados indiscutíveis, eles são Jerónimo de Sousa e a CDU, pelos resultados,…

Se houve um vencedor indiscutível das eleições autárquicas de domingo foi, obviamente, António Costa. Pelos resultados obtidos pelo PS e pela dimensão da vitória tal como foi percecionada pela opinião pública (e transmitida pelas televisões e pela esmagadora maioria dos jornais).

Se houve derrotados indiscutíveis, eles são Jerónimo de Sousa e a CDU, pelos resultados, e Pedro Passos Coelho e o PSD, pelos resultados mas muito mais pela forma como estes foram percecionados pela opinião pública (e como foram tratados pelas televisões e pela esmagadora maioria dos jornais). Objetivamente, o PS de António Costa (e já agora – porque não deixa de ser justo realçá-lo – com a pequena ajuda dos dois seguristas resistentes de Santarém e de Beja) conquistou mais câmaras, mais juntas, mais votos. Foi, por isso, uma vitória para os socialistas, sobretudo porque estamos a meio da legislatura e, historicamente falando, o povo costuma penalizar os candidatos do partido no Governo quando o respetivo exercício é impopular. O que, manifestamente, não foi o caso.

Objetivamente, o PSD de Passos Coelho perdeu câmaras, juntas, votos e, principalmente, perdeu nos principais centros urbanos, por números e margens inadmissíveis em Lisboa e no Porto. Por dois motivos fundamentais: primeiro, porque as escolhas foram verdadeiramente desastrosas (em Lisboa, como no Porto, em Coimbra, em Oeiras ou em Matosinhos…); segundo, porque Pedro Passos Coelho manteve o discurso da austeridade e de desesperança de que o povo está farto.

Curiosamente, Pedro Passos Coelho, que sempre recusou a ‘nacionalização’ das eleições locais, acabou por ser o primeiro a ‘nacionalizar’ a campanha, repetindo discurso recheado de temas e factos nacionais e muito pouco locais, facilitando a vida a António Costa, que saiu a terreiro para colher dividendos do reconhecimento internacional do bom desempenho das finanças públicas e da economia – dividendos que, não obstante o inegável mérito de Centeno e da ‘geringonça’, muito se devem aos sacrifícios dos portugueses impostos por Passos para evitar que Portugal caísse na bancarrota.

Daí que o povo, que em 2015 reconheceu a dificuldade do mandato do Executivo de Passos Coelho, lhe tenha agora dado uma valente sova, sobretudo onde colocou os interesses aparelhísticos claramente à frente dos interesses dos munícipes, que reclamavam, e bem, melhores candidatos. O caso de Lisboa é, neste particular, paradigmático. Até porque a vitória de Fernando Medina foi de Pirro, muito embora António Costa tenha feito a pé o percurso entre o Rato (sede do PS onde interveio como secretário-geral) e o Altis (onde reuniu o quartel general de Medina) a ver se dava tempo para ainda se confirmar uma maioria absoluta que não existiu e para fazer o ‘número’ propagandístico da vitória socialista e da derrota do PSD – «Não vale a pena [falar da derrota do PCP] quando todos sabemos que estas eleições têm um derrotado e esse derrotado é o PSD».

Fernando Medina ganhou, mas, como diria alguém, foi por tão «poucochinho» (perdeu vereadores e 10 mil votos) que acaba por ser politicamente um dos perdedores destas eleições. E perdeu politicamente porque desfez-se-lhe a ilusão de que tem carisma e empatia com o povo para almejar um dia ser secretário-geral do PS e suceder a Costa no partido e no Governo como sucedeu na CML – será muito difícil. Voltando ao PSD – o único derrotado para António Costa no domingo. Ficou claro que o povo não penalizou o PSD e Passos Coelho pelo que fizeram no Governo – se não fossem os sacrifícios que, como dizia o PS na altura, iam para além da troika, Centeno não teria tido margem alguma para agora abafar o PCP e o BE. O povo penalizou Passos Coelho pela incapacidade de mudar a agulha – o discurso – na oposição e, sobretudo, pelas péssimas escolhas para os principais centros urbanos (no interior do país e onde teve candidatos fortes, o PSD cresceu).

Tanto assim que Assunção Cristas conseguiu um excelente resultado para o CDS, e para si própria na afirmação da sua liderança, em Lisboa. Mas factualmente também, as perdas mais significativas, tanto em votos como em número de câmaras e, até, pelo significado das mesmas (sobretudo, pasme-se, Almada), foram na verdade da CDU e de Jerónimo de Sousa. «O povo vai arrepender-se das suas escolhas» – Jerónimo escolheu a mesma frase com que Álvaro Cunhal reagiu à primeira grande derrota eleitoral do PCP em meados dos anos 70 do século passado. E não por acaso. Almada era o grande bastião do PCP a uma ponte da capital. Nunca, jamais, em tempo algum alguém acreditou (provavelmente nem Costa nem ninguém no Largo do Rato ou na Soeiro Pereira Gomes) que Inês de Medeiros – sem peso político nem currículo autárquico – trocasse Paris pelo cacilheiro e pudesse apear a CDU de Almada. A verdade é que, por meia dúzia de autocarros daqueles que saem da Praça de Espanha para a Caparica, apeou mesmo. Nada disso importou, porém, na noite eleitoral, porque os holofotes foram todos colocados por António Costa e pelas principais projeções das TV’s em Passos Coelho e no PSD. E Pedro Passos Coelho cedeu. Passos não perdeu o país.

Perdeu sobretudo Lisboa e Porto. Porque escolheu mal, muito mal. E perdeu o partido. Na verdade, já não tinha condições para continuar. Estava demasiado isolado. Se tinha razão ou não, o tempo o dirá. E esperemos, a bem do país e dos sacrifícios feitos, que ninguém reclame o seu regresso. Porque será muito mau sinal, para todos, se os portugueses, e os sociais-democratas em particular, vierem a arrepender-se de o terem empurrado borda fora. Pedro Nuno Santos bem pode dizer (Grande Entrevista, RTP) que o país deve agradecer a quatro partidos a saída do lixo – referindo-se ao PS, PCP, BE e PEV. Mas ele há mais dois, PSD e CDS, que fizeram o trabalho de sapa e mais duro, e sobretudo um líder que assumiu todos os ónus sem vacilar nem ceder a eleitoralismos, populismos ou mediatismos: o que agora, por isso mesmo, foi sacrificado.