Relatos contraditórios sobre a estrada da morte: GNR não viu fila de trânsito

Trinta pessoas morreram num troço de 300 metros na EN 236-1. Peritos concluem, porém, que cortar todos os acessos teria sido pior.

Logo depois do incêndio, surgiram relatos de que algumas das vítimas teriam sido encaminhadas para a EN 236-1 pela GNR. No relatório, isto não é confirmado e os peritos apresentam o que foi possível apurar sobre a gestão do trânsito nas primeiras horas do fogo, mas reconhecem que há relatos aparentemente contraditórios.

Entre o alerta de fogo pelas 14h39 e as 20h houve 12 momentos em que houve cortes de estradas, mas pela 20h15 a patrulha de trânsito recuou para o nó do IC8 e Figueiró dos Vinhos – Oeste. No local havia dois cabos. Um indicou ter-se deslocado imediatamente antes até ao cruzamento da Várzea/Vila Facaia (o local onde viriam a morrer 30 pessoas), mandando retirar populares de um viaduto e afirmando não se ter cruzado com nenhum veículo no regresso ao nó com a EN236-1. O outro cabo referiu ter visto viaturas a passar na N236-1 nos dois sentidos. Por outro lado, há relatos de testemunhas que indicam que se formou uma fila de trânsito entre o nó com o IC8 e o cruzamento para Várzea/Vila Facaia, não muito depois das 20h, coincidindo com a fuga a partir das aldeias a leste da EN 236-1, situação que não foi indicada nem pelos cabos nem no relatório da GNR.

Os peritos concluem assim que embora a atuação da GNR pareça ter sido a correta, nomeadamente face aos problemas de comunicações, fica por apurar se o corte no IC8 terá influenciado o tal congestionamento e a contradição entre relatos. E também fica por apurar por que motivo não foi cortada a EN236-1 na direção Figueiró dos Vinhos – Castanheira de Pera. A GNR justificou não ter havido indicações no comando operacional nesse sentido, mas os peritos assinalam que esse argumento contrasta com o facto de os outros cortes de estrada terem sido essencialmente tomados por “livre iniciativa dos militares da GNR, de acordo com a sua perceção do risco para a circulação do trânsito”.

Ainda assim, os peritos concluem que se, se todas as estradas de acesso à EN 236-1 tivessem sido cortadas, “o desfecho de tal atuação teria sido provavelmente ainda pior pois teria eventualmente implicado a ocorrência de mais vítimas, incluindo os próprios agentes da autoridade”.

Os peritos consideram que, excluindo essa hipótese, duas medidas poderiam ter sido tomadas, “ambas dependentes de informação que a GNR não dispunha”. Seria ter havido uma evacuação das aldeias ameaçadas ou ter havido ordens para as pessoas não saírem de casa. A crítica centra-se mais uma vez nas decisões da Proteção Civil durante o fogo mas também no trabalho ausente a montante, prejudicado pela falta de analistas de incêndios e de meteorologistas especializados. “A verdade é que nenhuma destas competências existe na ANPC, apesar da enorme gravidade e frequência dos incêndios em Portugal”, declaram os peritos.

Recorde-se que em entrevista ao i no fim de semana da tragédia, um dos peritos que veio a integrar esta comissão nomeada pelo parlamento indicava isso mesmo. “Isto foi uma figura que acabou por morrer com o tempo e os últimos governos não apostaram na sua continuidade. Estive no ano passado na Catalunha e para toda a região havia 70 analistas de incêndios, o que é um território menor que o nosso. Isto mostra a seriedade com que os outros países tratam deste assunto e o amadorismo com que se trata no nosso”, disse na altura Joaquim Sande Silva.

 

Bermas das estradas por limpar

Sobre a nacional, o relatório acrescenta ainda que as bermas, competência da Ascendi, não estavam limpas de acordo com a legislação em vigor. A empresa que gere a subconcessão do Pinhal Interior chegou a afirmar que a área foi desmatada no início de junho. “De todos os locais visitados nenhum apresentava indícios de ter sido alvo de medidas de gestão de combustíveis correspondentes aos critérios técnicos previstos no anexo do Decreto-Lei 17/2009 de 14 de janeiro”, consideram os peritos. “Em particular, no caso da EN 236-1, verificou-se a existência de gestão das bermas da estrada, mas apenas numa largura máxima de aproximadamente 2 m, não existindo evidências de que a gestão de combustíveis abrangesse a largura de 10 m prevista na legislação em vigor.”

A comissão considera, todavia, que não há evidências que permitam associar as mortes ao não cumprimento das medidas de gestão de combustíveis.