Polémica. Juiz do acórdão do adultério teve um processo disciplinar em 1999

Na altura, não foi o teor das decisões a suscitar a intervenção do Conselho Superior da Magistratura, mas a falta de correção para com um advogado 

O desembargador Joaquim Neto de Moura, um dos juízes que proferiu o acórdão que utiliza o adultério para diminuir a gravidade num caso de violência doméstica, teve um processo disciplinar ao longo da sua carreira. Nada teve a ver com as decisões controversas que têm feito correr tinta nos últimos dias, mas com a forma como tratou um advogado. 
Segundo avançou ao i o Conselho Superior da Magistratura, esta única sanção disciplinar remonta a 1999 e consistiu numa “advertência não registada”, a pena aplicada aos casos de menor gravidade. “À data, por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, concluiu-se pela aplicação da referida pena pela violação do dever de correção previsto nos artigos 32.º e 131.º do EMJ e artigos 82.º, 85.º, n.º 1 a) e n.º 4, ocorrida em relação a um senhor advogado”, informou o Conselho Superior da Magistratura.

Depois do polémico acórdão da Relação do Porto vieram a público outras decisões controversas do mesmo juiz nos últimos anos. Em 2016, também num caso de violência doméstica, Neto de Moura já tinha declarado que uma mulher adúltera é “uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil e imoral”. Já em 2013, noticiou o “Público”, o juiz minimizou uma agressão a uma mulher por parte do companheiro, mesmo estando esta com o filho de nove dias ao colo. Foi também noticiado que, em 2007, o magistrado tinha sido alvo de uma queixa na justiça por abuso de poder, também por parte de um advogado. Segundo a TVI, o caso foi arquivado na fase de instrução por falta de “indícios mínimos”.

Depois dos vários elementos vindos a público e de uma petição dirigida ao Conselho Superior da Magistratura ter superado dez mil assinaturas em dois dias, os casos deverão agora ser analisados pelo conselho plenário deste organismo, o órgão máximo dos juízes, a quem compete determinar a abertura de processos disciplinares. Até à data de hoje, informou ao i o CSM, não havia qualquer processo de natureza de disciplinar em curso, dado que isso só poderá ocorrer na próxima reunião ordinária do plenário. A data desta reunião, inicialmente apontada pelo CSM para o início do próximo mês, foi afinal marcada para 5 de dezembro. 

A petição dirigida ao CSM pede uma tomada de posição sobre este caso e uma reflexão sobre a necessidade de alterar o sistema de seleção e/ou avaliação dos juízes para que casos como este sejam evitados no futuro. O bastonário dos advogados, Guilherme Figueiredo, já defendeu que o juiz não deve poder julgar violência doméstica. 

Para esta sexta-feira estão marcados protestos em Lisboa e no Porto. A decisão da Relação do Porto não é passível de recurso para o Supremo. Uma hipótese é a vítima recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Em julho, o TEDH condenou Portugal por discriminação sexual. Em causa, um outro processo polémico em que o Supremo baixou o valor de uma indemnização a pagar a uma mulher que ficou com lesões físicas irreversíveis, depois de uma operação na Maternidade Alfredo da Costa, que a impediam de ter relações sexuais, algo que a justiça nacional desvalorizou por ter 50 anos e dois filhos. Em 2015, a mulher, então com 69 anos, não se conformou e recorreu para a justiça europeia, vindo a ganhar o caso este ano.