Na China de todas as culpas, Trump sorriu

Trump foi recebido como um pequeno imperador americano. Trocou elogios com Xi e disse que a culpa da relação desigual no comércio émaisamericana que chinesa. 

Parecem ir longe os dias em que Donald Trump se atirava ferozmente às práticas comerciais chinesas nos discursos de campanha e falava com grande alarme do défice comercial com Pequim. O último assunto continua a preocupá-lo, como disse na sua primeira visita de Estado à China, mas já não o encara como na campanha – numa ocasião, Trump disse mesmo que a China "está a violar o nosso país".

A culpa da relação "desfavorável e muito injusta" no comércio, diz agora, já não é chinesa: é americana. "Não culpo a China", disse quinta-feira, diante um grupo de grandes empresários chineses que primeiro pareceram surpreendidos e depois o aplaudiram com timidez. "Quem é que pode culpar um país de se estar a aproveitar de outro para benefício dos seus cidadãos? Até os aplaudo."

A reviravolta de Trump não é inteiramente surpreendente e o ambiente em que discursava recomendava também uma postura mais branda.

Em todo o caso, demonstra como o homem da campanha presidencial do último ano mudou drasticamente a sua postura em relação à China e se afeiçoou ao seu Presidente, o quase todo-poderoso Xi Jinping, que no mês passado solidificou o seu domínio no Partido Comunista Chinês e no país, e agora ocupa o mesmo patamar de adoração e domínio de Mao Tsé-Tung e Deng Xiaoping.

Ao contrário de Barack Obama, Donald Trump foi recebido em Pequim como um pequeno imperador americano, viu a Cidade Proibida pela mão do próprio Xi, assistiu a uma ópera chinesa e pôde até pegar num vaso construído somente de ouro, sob o olhar quase paternal do anfitrião.

As demonstrações públicas de proximidade entre os dois presidentes ocultam uma modificação mais crucial na diplomacia dos dois países.

Estratégia a longo prazo

Os Estados Unidos concentram-se por estes dias sobretudo em acertar as contas do comércio externo e em trazer as indústrias americanas que nos últimos anos de globalização partiram para países onde a mão de obra é mais barata.

Antes de aterrar em Pequim, na quarta-feira, o Presidente dos Estados Unidos pediu a empresários japoneses  – em especial aos da construção de automóveis – que levem os seus negócios para solo americano. A ênfase no comércio também esteve no centro de uma das últimas cerimónias chinesas: Trump e Xi assinaram acordos de entendimento para negócios no valor de 200 mil milhões de dólares, embora muitos já estivessem negociados desde o tempo de Obama.

Xi, segundo a Casa Branca, prometeu também aplicar as sanções à Coreia do Norte.

A China, por sua vez, está interessada numa jogada diplomática de longo prazo. Desde que o novo líder americano prometeu dar vários passos atrás nos compromissos americanos com a defesa e comércio internacional no mundo, Pequim vem mirando o seu lugar.

Ocupou-o já no Acordo Climático de Paris, com a saída dos Estados Unidos – o Governo da Síria aceitou participar no entendimento esta semana e deixou Washington isolada no lado de fora. Está a fazê-lo também no comércio mundial, com um grande projeto de investimento no estrangeiro que vai da África até à Europa e, como prometeu Xi no Congresso do Partido do último mês, Pequim prepara-se igualmente para abandonar a postura de grande poder isolado no mundo e assumir o estatuto de "grande potência diplomática com características chinesas".

O Presidente chinês, para além disso, é um líder consensual no seu país, ao contrário do disputado Trump nos EUA.

"Trump foi um candidato da 'América em Primeiro' e é um Presidente da 'América em Primeiro'" escreve no "Guardian" o colunista Martin Kettle. "O emprego e estabilidade que Trump procura estão no seu país e em nenhum outro lado. Retira-se da liderança mundial para vencer em casa."

Trump foi apenas sorrisos na China, mas esta sexta-feira, no Vietname, regressou a algumas das velhas críticas sobre a forma como os países asiáticos "estão a enganar" os Estados Unidos no comércio.

Da passagem por Pequim, no entanto, fica uma imprensa estatal em júbilo com fotografias dos dois líderes e a declaração de afeto diplomático de Trump a Xi: "Como disse, temos uma grande química e acho que vamos fazer ambos coisas tremendas tanto para a China como para os Estados Unidos" disse Trump na Cidade Proibida, uma honra de Estado raramente concedida a líderes estrangeiros. "Os meus sentimentos por si são incrivelmente afetuosos".