Vanessa. Os putos bazaram de casa

A Vanessa pensava que talvez nunca tivesse dado o devido valor ao privilégio de poder andar a apanhar boiões de plástico com restos de iogurte estacionados há três meses debaixo das camas. Ou o deslumbramento inexcedível de recolher as migalhas de Oreo dos sofás da sala. Ninguém dá valor ao que tem de repente já não…

Durante estes meses em que eu e a Vanessa nos afastámos passaram-se coisas. Quer dizer: passam-se sempre coisas, mas muitas vezes as coisas que se passam não valem um chavelho. Olhem a Web Summit e o jantar com os mortos – daqui a umas semanas já não nos lembramos disso. Os cartazes que o Medina espalhou pela cidade a dizer coisas tão proeminentes como «Feeling in a Hyper Loop? That’s because you are made of Lisboa» já estarão esquecidos. Até porque pessoas como a Vanessa nem sabem o que é «feeling in a Hyper Loop» sem ir ao Google translate. E mesmo assim depois de ir ao Google a Vanessa ficou na mesma. A coisa só deve ser entendida pelo Paddy. Mas talvez a ideia fosse mesmo essa.

Adiante. Na vida da Vanessa passaram-se coisas com importância radicalmente superior à  da realização da Web Summit. E eu não sabia, não estive lá e em parte também não quis saber.

Os putos saíram de casa.

Os três.

De repente.

Numa época em que os filhos não saem de casa nem à viva força, tinha que acontecer à Vanessa, a quem habitualmente acontecem coisas que não acontecem a mais ninguém.

Primeiro foi o Guilherme, 26 anos, que escolheu os antípodas em desfavor de um pequeno-almoço na cama que, dia sim, dia não, a Vanessa lhe fornecia. Dois meses depois foi o Zezinho, 24 anos, que achou que já tinha idade e alguns cobres para dividir a casa com uns amigos para poder fazer o que lhe apetecesse.

Passaram mais dois meses e saiu o Joãozinho, 21 anos – arranjou trabalho, uma namorada e uma casinha fixes.

Paradoxalmente, nenhum dos três levou nem as meias nem os peluches. A má relação do sexo masculino com as meias é histórica. Mas a Vanessa, logo no dia seguinte ao filho mais novo sair de casa, começou a atormentar-se por se ver rodeada de peluches de que não tinha coragem de se desfazer. Subitamente, ao excesso de ursos e de meias desemparelhadas contrapunha-se o vácuo. A Vanessa olhava os ursos como se fossem um espelho e achava que tinha ficado sem uma perna, um braço, metade dos neurónios e da identidade. É-se mãe para sempre, ok ok. Nunca mais se volta a ser mãe provedora.

As amigas cujos filhos continuavam em casa (a esmagadora maioria) riam-se às gargalhadas:

– Tu és maluca! Nem sabes a sorte que tens! Eu se pudesse punha os meus na rua, só desarrumam e chateiam.

A Vanessa pensava que talvez afinal nunca tivesse dado o devido valor ao privilégio de poder andar a apanhar boiões de plástico com restos de iogurte estacionados há três meses debaixo das camas. Ou o deslumbramento inexcedível de recolher as migalhas de Oreo dos sofás da sala. Ninguém dá valor ao que tem.

– Arranje um namorado!, disse-lhe o primeiro psiquiatra.

–Arranje um gato!, disse o segundo psiquiatra

– Arranje um cão!, disse o terceiro psiquiatra.

A Vanessa mandou os psiquiatras passear com os seus cãezinhos e gatinhos, mais as suas sugestões. Continuava teimosamente a preferir pessoas aos animais, mas sugerir que namorados substituem filhos era estúpido. Ok, talvez agora fosse mais fácil fazer sexo em casa. É verdade que passamos a primeira parte da vida a esconder-nos dos pais para passar a segunda parte a esconder-nos dos filhos. Na terceira parte, quando finalmente temos liberdade de movimentos, já não nos apetece assim tanto.

– Não apetece? Isso comigo nunca irá acontecer!

Quando vi a Vanessa assim taxativa descansei – o caso não estava perdido.