Ascenso Simões: ‘O PS devia ter pedido desculpa ao Bloco de Esquerda’

Foi o único deputado do PS a votar ao lado do BE na taxa das renováveis e considera que a direcção do grupo parlamentar não esteve «à altura dos acontecimentos»

Ascenso Simões: ‘O PS devia ter pedido desculpa ao Bloco de Esquerda’

Nunca foi um entusiasta da aliança do PS com os partidos de esquerda. Também se rendeu, como alguns socialistas mais céticos, aos méritos deste Governo?

A minha desconfiança relativamente à solução governativa mantém-se. Acho que há uma diferença profunda entre o PS e os partidos à sua esquerda relativamente às questões ideológicas, às questões de governabilidade e às questões da Europa. A verdade é que, no início deste processo, era preciso decidir se iríamos ter outro Governo de Passos Coelho ou se encontraríamos uma solução que fosse melhor para resolver os problemas do país. E, perante essa situação, um socialista só tinha uma resposta: vamos encontrar uma solução minimamente viável e minimamente duradoura. E, nessa perspetiva, o que o Governo conseguiu foi uma vitória, porque conseguiu ter resultados. É claro que o país tem atrasos estruturais graves. Tem problemas graves relacionados com o seu tecido produtivo, a sua capacidade de exportação, a sua capacidade de substituir importações por produção nacional, a sua capacidade de formar quadros, a sua capacidade de preparar o mercado de trabalho para novas realidades… Essas alterações não se fazem com esta solução governativa. 

Como é que se fazem?

Podem fazer-se com outra solução governativa que o PS lidere com um outro peso político. Aquilo que espero é que o PS ganhe as próximas eleições com um resultado folgado que lhe permita encontrar consensos. 

Não é desejável que esta solução se repita?

Todos os partidos sabem que esta solução tem limitações. 

A mudança de liderança no PSD pode mudar alguma coisa?

O PSD foi buscar ao fundo do tacho aquilo que já se pensava estar morto há muito tempo. Nem a candidatura de Santana Lopes traz as novidades que se impõem, nem a candidatura de Rui Rio sai daquele provincianismo atroz que marcou a sua presidência de câmara ao longo de doze anos. Rui Rio é o presidente de câmara que usa gravata com uma camisa sem mangas e que ainda usa meia branca.

A relação entre o PS e o PSD tem sido muito tensa nos últimos tempos. Acha que é preciso mudar isso?

Claro que sim. A tensão entre o PS e o PSD é uma tensão que os portugueses não compreendem. Nós precisamos de uma certa bonomia para encontrar linhas de convivência com o PSD e o CDS que sejam tão boas no campo parlamentar como aquelas que temos tido com os outros partidos.

Foi secretário de Estado da Proteção Civil. Não era possível ter prevenido estas tragédias, principalmente depois do que aconteceu em Pedrógão Grande?

Quem sabe um bocadinho de estratégia militar sabe que não se mudam comandos enquanto a guerra está desenvolver-se. O Governo sabia que corria um sério risco por continuar a ter o problema, mas não se muda a estrutura no momento em que se está a fazer uma batalha. Isso seria a derrota certa. 

A pergunta que muitas pessoas fazem é por que razão não foi possível salvar aquelas pessoas. 

O que acho é que, perante a circunstância, nós tivemos muitos erros, mas não era possível salvá-las. O sistema funcionou mal, mas aquela circunstância das mortes resultou de um conjunto de fatores que vão para além da capacidade de prevenir e de atuar. Em relação a Pedrógão tem sido muito injusta a forma como tem sido avaliado o desempenho das estruturas de intervenção. 

Foi o único deputado do PS que votou ao lado do Bloco de Esquerda para criar uma nova contribuição extraordinária para os produtores de energias renováveis. Porquê? 

Por duas razões. Em primeiro lugar, sempre tive na minha vida política um princípio de honradez e de assunção dos compromissos, em segundo lugar, porque a proposta do Bloco de Esquerda é uma proposta correta. Nós, em Portugal, temos um problema: 98% dos políticos não percebem nada de energia. O PS não integra o debate da energia porque não quer participar nesse debate. Isso é lamentável. 

O PS não quer participar nesse debate?

O PS teve uma visão ambiental da energia, através do processo das renováveis, mas o problema da energia é um problema bem mais fundo. Temos de perceber que estamos no mercado ibérico e temos de perceber como é que nos relacionamos com esse mercado ibérico. Nós, que somos uma pequena economia, não podemos ter remunerações dos ativos energéticos muito diferentes daquelas que acontecem em Espanha. Temos uma tarifa muito próxima, quando retiramos a componente impostos e outras taxas que fomos colocando por diversas realidades, mas aquilo que pagamos em Portugal aos produtores e operadores energéticos é consideravelmente diferente do que pagam os espanhóis. Foi tudo isso que me levou a votar ao lado do Bloco de Esquerda. Não é uma votação de simpatia com a política energética do Bloco de Esquerda. A minha posição é relativamente a uma iniciativa que tinha a ver com a criação de uma contribuição especial para produtores de energia eólica. São todos aqueles que ainda continuam a viver de grandes rendas fruto de uma circunstância em que o Estado português com eles fez acordos. 

Os deputados do PS ficaram numa posição pouco confortável?

Nós nunca gostamos de ser confrontados com a sensação de não saber o que fazer e acho que o primeiro a não gostar é o líder do grupo parlamentar [Carlos César]. Mas também temos de compreender que integrando um partido temos obrigações e devemos cumpri-las.

Mas a questão neste caso é a mudança do sentido de voto?

Se eu tivesse a responsabilidade, teria, no início do debate, pedido a palavra e tinha pedido desculpa ao Bloco de Esquerda. Tinha dito: nós fizemos isto, os nossos dados não eram suficientes e pedimos desculpa, porque não podemos continuar com este compromisso. Isto tinha feito muito bem a todos. Tinha impedido aquela discursata da Mariana Mortágua. Tinha transformado os deputados do PS em pessoas com valores. Era isso que eu teria feito. Isso é que seria estar à altura dos acontecimentos. Isso é que é ser um político com P grande. Nós não fizemos isso. 

Mariana Mortágua não tem razão ao dizer que o PS não honrou a palavra dada?

É preciso não esquecer que a retórica parlamentar também tem esses elementos de dramatismo. O presidente do grupo parlamentar do PS diz que não estamos reféns dos partidos que apoiam o Governo, mas é claro que estamos. Temos com os partidos que apoiam a maioria uma posição tripla: política, de honradez pessoal e de dignidade institucional.