Ricardo Chaves, ex-tesoureiro. “Não temo pelo futuro da Raríssimas”

Ricardo Chaves tem um filho de 13 anos com síndrome de Angelman. Depois de integrar a direção da associação, bateu–se para que houvesse contabilidade interna, através da qual veio a descobrir gastos de Paula Brito e Costa  com os quais optou por não pactuar 

Ricardo Chaves, um dos ex-tesoureiros da Raríssimas que revelou indícios de uso indevido de verbas da associação por parte da presidente Paula Brito e Costa, lamenta o impacto que este caso pode ter sobre as associações de doentes. Contabilista de profissão, diz que era uma obrigação moral e deontológica não fechar os olhos ao que encontrou e acredita que a Raríssimas tem condições para continuar. Pai de um jovem de 13 anos com síndrome de Angelman, confessa que é Afonso que o move. Em agosto de 2015, aceitou um convite da Raríssimas para fundar uma delegação no Algarve e em janeiro de 2016 foi convidado para fazer parte da direção da associação, assumindo o cargo de tesoureiro em novembro do ano passado. Saiu este verão.

Quando é que se apercebeu de que alguma coisa não batia certo?

A minha primeira grande luta foi que houvesse contabilidade interna na Raríssimas. A Raríssimas é uma instituição enorme, que cresceu muito rapidamente e cuja contabilidade era feita de forma externa. Lutei para que a contabilidade fosse organizada de forma interna e que fosse contratada uma contabilista, o que acabou por acontecer no primeiro trimestre de 2017. Quando a contabilista consegue fechar o primeiro trimestre das contas, contacta-me para eu ir ver as contas. Eu fui num dia em que a Paula não estava, propositadamente, e tomei conhecimento de coisas com as quais não podia pactuar. Férias não gozadas, despesas no El Corte Inglês…

Na altura falou diretamente com a presidente?

Não. Tenho consciência de que a Paula sabia muito bem o que estava a fazer. Ela sempre disse que aquilo era dela, que a empresa era dela e “ai de quem se atravessar no meu caminho’. A única coisa que fiz foi, na reunião de direção seguinte, apresentar a minha demissão. Ficou escrito em ata que eu queria demitir-me da direção e do cargo de tesoureiro. Mas antes disso, mal soube que eu lá tinha ido, pediu para que a contabilidade dissesse que tipo de informações que tinham dado e proibiu as pessoas de me darem documentos. Eu era o tesoureiro e estava impedido de ter acesso à contabilidade. 

Antes de ter estes documentos, já tinha tido algum problema com a presidente?

Eu até nutria uma grande admiração pela Paula, pela obra que ela fez. Ela fez aquilo que mais ninguém fez. Mas isso não lhe dá o direito de ficar imune.

Qual foi o passo seguinte?

Em junho há uma reunião de direção, eu digo que quero sair. Soube depois que a Paula estava convencida de que eu não ia sair, porque tinha sido doado à Raríssimas um terreno no Algarve, porque eu precisava disto. Assim que as atividades terminaram no fim do ano letivo, enviei uma carta a demitir-me e a dizer que ia encerrar a delegação. Aliás, desde o momento que anunciei a minha demissão que não participei em mais nenhuma reunião de direção.

Não fez nenhuma denúncia para a Segurança Social?

Não tinha que o fazer. Facultei a quem de direito a documentação que tinha e foi apresentada uma queixa. 

Depois a reportagem da TVI que revelou esta investigação, foi contactado por alguém da Raríssimas?

Não. 

Enquanto pai de um jovem com uma doença rara, tem receio do impacto deste escândalo na associação?

O meu filho não pode ter uma pessoa a tomar conta dele e de mais seis ou sete. Apesar disso, aquilo que a Segurança Social paga, com maior ou menor dificuldade, devia ser o suficiente para gerir a casa. E já cheguei a pagar 200 euros para o meu filho ficar um fim de semana na Casa dos Marcos.

Está a dizer que a associação tem outras receitas, é isso?

Exato. Eu pago para o meu filho estar na Casa dos Marcos, trabalhava pro bono, chegava a fazer duas deslocações por semana para exercer as minhas funções. Não temo pelo futuro da Raríssimas, claro que sei que a Paula fazia muito pela causa da Raríssimas e pelo crescimento da Casa dos Marcos, mas aparentemente também fazia outras coisas. O financiamento público da associação é o que a lei prevê e não me parece que ter uma relação especial com o ministro lhe trouxesse algum privilégio. Ela dizia ter uma relação pessoal com ele.

O ministro Vieira da Silva afirmou esta segunda-feira que nunca lhe chegou nenhuma denúncia de gestão danosa.

Acredito, eu não lhe fiz nenhuma e não sei se alguém fez. [Paula Brito e Costa] sempre fez lobby, conseguiu que  Maria Cavaco Silva, que era a madrinha da instituição, fosse lá algumas vezes, conseguiu que Marcelo fosse lá, conseguiu que a rainha de Espanha fosse lá, conseguiu ir ver o Papa, tentou que o Papa na última visita fosse visitar a Casa dos Marcos. Sempre fez lobby pela instituição e para as pessoas que acabaram por ajudar, incluindo eventualmente o ministro, fizeram-no, acredito eu, de forma desinteressada. Não iam saber se ela andava a gastar dinheiro em gambas ou comprar vestidos com o cartão da Raríssimas. Ninguém vai perguntar isso. Eu também nunca pensei. Se eu, que fazia parte da direção, não sabia, como é que o ministro ia saber? 

O terreno que doaram em Tavira ficou para a Raríssimas?

Ficou em nome da Raríssimas. Foi doado. Só se algum dia a Raríssimas quiser doar-nos o terreno… Se quiser fazer lá alguma coisa, apoiaremos.

Na reportagem da TVI diz a certa altura que, para que o mal vença, só é preciso que os bons não façam nada. 

É verdade. É preciso dizer que não fui eu que contactei a jornalista Ana Leal, que já estava a fazer a investigação. Só tinha conhecimento de questões de contabilidade.

Sente que foi preciso coragem para aparecer?

Não é coragem, é uma questão de valores. 

Como vê a repercussão que está a ter este caso?

Com pena.

De Paula Brito e Costa?

Pena pela instituição, pena por ser falada por estes motivos. Tenho pena que a atitude da presidente tenha levado a isto. Se me perguntar alguma coisa acerca do caráter da Paula, acho que os vídeos que aparecem na reportagem da TVI dizem tudo. Não os conhecia, não fui eu que os facultei. O meu envolvimento por isto é por causa do Afonso.

Sente que as associações de doentes ficam com uma imagem abalada?

Acho que sim, porque as redes sociais têm o condão de fazer isso. Mas continuo a acreditar, tenho de acreditar. Ajudei a fundar a Associação Síndrome de Angelman de Portugal e só saí porque os estatutos da Raríssimas não permitiam que estivesse em duas direções. Tenho um filho com uma doença rara e são estas associações que nos dão apoio. Sei que quando uma pessoa vai pôr o filho na Casa dos Marcos, não está a perguntar quais são os gastos por trás, querem uma solução para os seus filhos. Mas quando temos conhecimento das situações, não podemos ignorá-las. Sou contabilista certificado, no caso da associação era apenas tesoureiro, mas isso dá-me responsabilidades acrescidas. Tenho obrigação moral, um código deontológico que estou obrigado a cumprir, além daquilo que os meus pais me ensinaram.