Ao contrário do que entende o ministro, que quer aumentar a formação contínua dos professores, os docentes portugueses têm “elevada” qualificação, são experientes e são dos que têm “mais horas de trabalho por semana”. Mas tudo isto não lhes garante reconhecimento tanto no local de trabalho como pela sociedade. Bem pelo contrário. Cerca de 26% dos docentes dizem nunca serem “reconhecidos” e 48% sentem-se “pouco respeitados pela sociedade”.
Este é o retrato geral dos professores do básico e secundário traçado pelo último relatório do Estado da Educação 2016 do Conselho Nacional de Educação (CNE), que é hoje divulgado – o primeiro assinado pela recém-empossada Maria Emília Santos.
Todos os professores ouvidos pelo i revêem-se neste perfil e alertam que estes são sentimentos que têm vindo a agudizar nos últimos anos.
De acordo com o relatório, os professores portugueses “são os que mais acusam excesso de trabalho” com uma carga semanal “acima de 40 horas”. Mais do que os docentes dinamarqueses, irlandeses, polacos ou espanhóis. Mas este é apenas um dos motivos para que os professores se sintam “desmotivados e desgostosos” sendo um sentimento “muitas vezes provocado pelo próprio governo”, remata o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira. Reclamam, por isso, que o governo envie “com a máxima urgência sinais positivos para dentro das escolas”, alerta Manuel Pereira.
“O não reconhecimento é uma realidade”, sustenta ainda o professor Paulo Guinote.
No relatório do CNE lê-se que há três variáveis “cruciais” para que os docentes se sintam reconhecidos: “Sentir que os alunos aprendem e que fazem a diferença, ter um bom relacionamento com os alunos e conseguir controlar o comportamento em sala de aula”.
Mas os docentes ouvidos pelo i apontam ainda que o descontentamento na classe tem também razões salariais tendo em conta que “há quase dez anos que têm as carreiras congeladas e há professores com quase 20 anos de serviço que estão no início de carreira”, sublinha Manuel Pereira. Mas também, continua o diretor, pelas “várias e sucessivas alterações feitas aos concursos e aos curriculos. Há metas que vão sendo definidas nas costas dos professores”.
Os professores não vêem num horizonte próximo melhorias na sua carreira.
Por tudo isto avisam em uníssono: “Há uma boa parte dos professores que não obstante serem altamente qualificados se pudessem encontrar outra profissão, mesmo gostando desta, provavelmente saíam”.
Este é o estado dos professores a dias do arranque de uma negociação entre os sindicatos e o ministério de Tiago Brandão Rodrigues – começa dia 15 – que promete ser um duro braço de ferro: o descongelamento das carreiras. Será esta a primeira prova de fogo do ministro desde que tomou posse.
Com o descongelamento das carreiras para toda a função pública a partir de janeiro de 2018, os professores exigem que os nove anos e quatro meses em que viram estagnada a sua progressão e salários sejam contabilizados para efeitos de carreira. O que não é intenção do governo.
Caso os professores não vejam contabilizados os nove anos e quatro meses na sua carreira os sindicatos já prometeram voltar às ruas em força sem “verem melhorias na sua carreira num horizonte próximo”, sublinha Manuel Perreira.
Formação dos professores A “elevada” formação dos professores é outro dos pontos focados no relatório. De acordo com o documento “a vasta maioria” dos alunos do 1.º ciclo (do 1.º ao 4.º ano) são ensinados por docentes com grau de licenciatura e, nestes anos de escolaridade, há 7% com formação a nível de mestrado ou doutoramento. Cenário semelhante acontece entre os professores dos restantes anos de escolaridade sendo que do 7.º ao 12.º ano há 20% de docentes com mestrado ou doutoramento. A somar à sua formação académica há 80% de docentes que dizem “ter tido formação ao nível dos conteúdos e currículo”.
Ainda assim, em outubro, o Ministério da Educação anunciou que vai avançar com um reforço à formação de professores. Isto porque os alunos dos 2.º, 5.º e 8.ºanos de escolaridades apresentaram fracas notas nas provas de aferição.
Corpo docente envelhecido Outro alerta lançado no relatório passa pelo envelhecimento do corpo docente. Em 2015, “39% dos professores tinha mais de 50 anos” o que não só facilita questões de indisciplina dentro das salas de aula como também problemas na renovação do corpo docente. Esta é, aliás, uma das questões que o relatório diz ser necessário acompanhar com “muita atenção”.
Desde 2013 que o anterior governo lançou concursos extraordinários que permitem a entrada de contratados nos quados do ministério. No entanto têm sido firmados critérios para estes concursos – chamados vinculações extraordinárias – que permitem a passagem aos quadros de docentes com muitos anos de carreias. “Todos estamos mais envelhecidos e os que entraram agora para os quadros raramente são novos. É residual o número de professores que entra abaixo dos 40 anos”, avisa Paulo Guinote.
“Os professores apresentam uma média de 23 anos de serviço, sinalizando estabilidade, mas também uma tendência para o envelhecimento do corpo docente”, alerta o documento do Conselho Nacional da Educação.
Sobre a “excessiva” carga burocrtárica dos docentes, Paulo Guinote diz que “numa era digital nada justifica”. O professor explicou ainda que “as escolas têm trabalho duplicado”. Isto porque “quando temos de justificar uma nota, quando temos uma inspeção temos de ter todos os registos em papel e em formato digital”. Além disso, “a cada nova ideia ou medida do ministério não se subtrai nada ao que existia e adiciona-se trabalho”, remata.
Questionado pelo i sobre estes indicadores, o Ministério da Educação não prestou qualquer esclarecimento até à hora de fecho desta edição.