Era terça-feira. O grupo de trabalho que reunia os partidos com assento parlamentar entre abril e outubro deste ano decidia levar a votos, dois dias depois, as alterações à lei do financiamento partidário.
Desse grupo, cujas reuniões não tiveram qualquer ata ou registo e cujo objetivo visava responder a problemas de fiscalização de contas identificados pelo Tribunal Constitucional, o CDS – assim como depois o PAN – não votou favoravelmente a proposta discutida (ou semi-debatida) esta quinta-feira. Apenas a bancada de Assunção Cristas, na voz do deputado António Carlos Monteiro, interveio (e muito criticamente) sobre o tema. Nem a esquerda, incluindo o partido de Governo (socialista), nem o maior partido de Oposição (social-democrata) lhe responderam ou sequer se pronunciaram.
As razões para tal são bicéfalas. Por um lado – e apesar de, como Luís Montenegro (PSD) e Carlos César (PS) depois defenderam, a proposta melhorar «a transparência» pedida pelo Constitucional –, duas outras alterações haviam sido acrescentadas: (1) o fim do limite para a angariação de fundos partidários e (2) a isenção de pagamento de IVA em atividades partidárias com retroatividade acrescentada, isto é «sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei anterior».
Por outro lado, e menos conhecidamente, as bancadas não responderam às críticas de António Carlos Monteiro porque as bancadas não conheciam o conteúdo da proposta que haviam votado. A opacidade com que as alterações foram negociadas no referido grupo de trabalho foi paralela ao secretismo com que estas foram discutidas – ou melhor, não discutidas – no seio dos partidos.
Ao que o SOL apurou, nem o PSD nem o PS debateram alguma vez o assunto em reuniões de grupo parlamentar ou das direções de bancada. Estando o projeto de lei, aquando do plenário, inserido num guião de múltiplas propostas – mais concretamente, entre uma recomendação do Bloco e do PAN para o fim «de concessões de hidrocarbonetos remanescentes no território» e cinco projetos de lei sobre «animais nos circos» – ninguém deu por nada e seguiu-se o protocolo: votar o que o sentido da bancada ditava; neste caso sobre algo que (quase) só os líderes de bancada conheciam de facto.
«Falei com vários membros da direção e do grupo parlamentar e fomos todos apanhados de surpresa. Até o deputado Fernando Negrão, que preside ao grupo trabalho da transparência», diz uma parlamentar ‘laranja’, ao SOL, sob reserva de anonimato.
Num artigo de opinião publicado esta semana no Ação Socialista, o deputado Ascenso Simões também apontou ao tema, em jeito de apelo a uma melhor comunicação dentro da estrutura. «O PS só tem vantagem em não achar que vive numa bolha, que os seus oficiais são bastantes para a justeza da coisa. Ative-se a linha direta entre o topo e a base e teremos outros combates em que conseguiremos vencer e convencer», defendeu.
Ausências e pertenças estranhas
Mas se a importância de quem não sabia é essencial para entender a saga, a questão de quem verdadeiramente tinha conhecimento do acordado não é menor. Cada força partidária estava representada no grupo de trabalho: Ana Catarina Mendes e Jorge Lacão, do PS, António Filipe, do PCP, José Luís Ferreira, d’Os Verdes, o referido António Carlos Monteiro, do CDS-PP, Jorge Costa, do BE, e José Silvano, do PSD, como coordenador. Todos integram a Comissão de Assuntos Constitucionais, à exceção, curiosa, de José Matos Rosa, secretário-geral do PSD.
O SOL sabe que Pedro Passos Coelho também tinha conhecimento do resultado final proposto para alterar a lei do financiamento partidário, que seria depois redigida pelo líder parlamentar, Hugo Soares, em conjunto com o seu homólogo socialista (Carlos César), com o seu homólogo comunista (João Oliveira), com Heloísa Apolónia (PEV), com José Silvano e com os já mencionados Jorges: Lacão e Costa. O CDS, como é sabido, excluiu-se do processo.
O SOL sabe também que Passos Coelho optou por não se pronunciar publicamente acerca da lei, visto que os dois candidatos à sua sucessão – Rui Rio e Pedro Santana Lopes – se manifestaram contra as alterações coordenadas por um deputado do PSD e cujo «primeiro signatário», como lembrou Luís Marques Mendes, foi o líder parlamentar do PSD.
Mendes, em análise no jornal da noite na SIC Notícias, garantiu que o asssunto foi tratado «ao mais alto nível». Na medida em que os sociais-democratas viram o seu presidente de bancada, Hugo Soares e o seu secretário-geral, José Matos Rosa, dentro da equação, tal não parece exagero. Para Marques Mendes, antigo líder ‘laranja’, tratou-se de uma «grande leviandade do PSD e do seu líder parlamentar».
«Não podem fazer dos portugueses um bando de mentecaptos», rematou o comentador.
Passos, de saída, termina o seu tempo à frente da Oposição na bizarra situação de ver o seu partido assinar um comunicado e defender uma lei ao lado daqueles que o impediram de ser primeiro-ministro: o PS, o BE e o PCP. Do lado do CDS, que escapou à fúria da opinião pública, o sol continua a brilhar.
Assunção Cristas, que esteve quatro anos no Executivo de Passos, vê o seu ex-chefe de Governo sair na sombra – e de costas voltadas para si. Na São Caetano à Lapa sussurram-se acusações de «populismo». E ela, com os olhos em 2019.