‘Se me cobrissem de elogios é que seria inquietante’

As fotografias do pintor francês Pierre-Auguste Renoir no final de vida (morreria em 1919) mostram-no extremamente magro, sentado numa cadeira de rodas e com ligaduras a envolver-lhe as mãos. 

Deformadas por uma artrite que o atormentava, estas tinham-se transformado quase em garras, permanentemente contraídas. «As suas mãos retorcidas não conseguiam pegar em nada», conta o seu filho, o cineasta Jean Renoir, num livro de memórias dedicado ao pai.

«Houve quem dissesse e escrevesse que era preciso prender-lhe o pincel à mão. Não é exato. A verdade é que a pele se lhe tinha tornado tão fina que o contacto da madeira do cabo o feria. Para evitar este inconveniente, pedia que lhe pusessem na palma da mão um pedacinho de pano». Deixar de poder pintar era o maior receio de Renoir, mas felizmente nunca se verificou. «Os seus dedos deformados fincavam-se no pincel, em vez de pegarem nele. Mas, até ao último sopro de vida, manteve um braço firme como o de um jovem e uma acuidade visual espantosa», recorda o filho.
Renoir, Meu Pai constitui um retrato por vezes comovente, mas nem sempre tão dramático, do grande pintor impressionista.

Filho de um alfaiate, Pierre-Auguste Renoir começou por fazer pinturas sobre porcelana, onde ainda muito jovem atingiu um sucesso considerável e, nas suas palavras «inebriante». Até que decidiu trocar o conforto material dessa vida pela tentativa de se estabelecer como pintor independente.

Osucesso não viria de imediato. Ainda assim, Renoir não seria tão zurzido pela crítica como outros impressionistas. «De todos os expositores, o que se saiu menos mal foi o meu pai, que foi o menos insultado. Achavam-no demasiado insignificante para merecer ser atacado». Sobre isso, o próprio dizia:«Se me cobrissem de elogios é que seria inquietante».

Parece-nos hoje estranho que as suas pinturas alegres e vibrantes de mulheres de pele rosada pudessem na sua época ser consideradas mal feitas – mas, pelos padrões rígidos da pintura académica, era exatamente isso que acontecia.
Porém, talvez ainda mais interessante do que as considerações de Jean Renoir sobre as obras do pai são as opiniões deste velho espirituoso e de língua afiada. Crítico do progresso, não confiava na luz elétrica, que considerava «luz engarrafada» e indignava-se com os preços elevadíssimos que a pintura atingia – a sua e a dos outros. «Agora já não é um quadro que se pendura na parede, é um valor. Por que não expor uma ação da Companhia do Suez?».