Santana é fixe?

Todos sabemos que Mário Soares não era um modelo de coerência. Tão depressa elogiava a austeridade como a criticava, tão depressa dizia que os portugueses tinham de apertar o cinto como atacava os Governos que apertavam o cinto, etc.

E para justificar esta incoerência, dizia mesmo que «só os burros não mudam de opinião».
Também era leviano nas palavras e em certas ações.
Confundia milhares com milhões e não estudava convenientemente os dossiers.
Era um intuitivo.
Confiava muitíssimo mais nas suas intuições do que em laboriosas análises ou ‘estudos científicos’.
Era afetivo e afetuoso.
Com raras exceções, as zangas com ele acabavam em bem. 
Era um bon vivant, um hedonista.
Gostava da paródia, de um bom vinho, dos prazeres da vida.
Era um político culto para a média.

Mas nas grandes questões – na democracia, na liberdade, na aproximação à Europa, etc. – Mário Soares era um homem determinado e coerente.

Qual é o político que, hoje, nos recorda irresistivelmente aquele conjunto de características humanas?
Pouco coerente e um tanto errático, leviano nas palavras, não muito dado ao estudo, intuitivo, afetuoso, bon vivant? 
Evidentemente, Pedro Santana Lopes.
Dir-se-á que Santana não é culto e até inventou um concerto de Chopin para violinos.
Mas neste campo também Soares o podia ter feito, porque o seu forte não era a música.
E as gerações são diferentes: a de Soares era, em média, mais culta.
E não esqueçamos que Santana foi secretário de Estado da Cultura…

Na entrevista à SIC, Pedro Santana Lopes teve uma frase lapidar dirigida à entrevistadora: «Não esteja a olhar sempre para as palavras, veja as minhas obras!».

E citou o trabalho feito na Figueira da Foz, o trabalho feito em Lisboa, o trabalho feito na Santa Casa. 
E quando lhe argumentaram que na chefia do Governo só tinha feito «trapalhadas», replicou prontamente: «Porque não me deixaram acabar o mandato. Sempre que concluí os mandatos, fiz obra». E até acrescentou que, se o tivessem deixado ficar até ao fim, teria concluído a 3ª ponte sobre o Tejo, entre Algés e a Trafaria.
E sobre obras feitas, ainda poderia ter acrescentado o CCB e o Túnel do Marquês.

Enfim, neste final de campanha Santana Lopes destacou-se claramente do adversário, quer nos debates quer nas entrevistas.
Atacou e arranjou argumentos para se defender e contra-atacar.
Acordou – ao contrário do que acontecera até aí, em que aparecia sempre com ar algo ensonado e mesmo enfadado, falho de energia.

No plano ideológico, também aperfeiçoou o discurso: vincou o lado liberal, defendendo a diminuição dos impostos, sobretudo das empresas, para atrair investimento.

E sacou dos galões do trabalho feito na Santa Casa para vincar as suas preocupações sociais.
Não as preocupações sociais de um social-democrata, mas sim as do liberal que sempre foi.

Social-democrata típico é Rui Rio.Que é um género de homem completamente diferente de Santana: seco, espartano, cortante, espírito de contabilista, picuinhas, certo porte militar.
Rio e Santana não podiam ser mais diferentes.
E qual será melhor para a atual fase do PSD?
 Se o PSD estivesse à beira de ser poder, diria que talvez fosse Rui Rio, por ser mais rigoroso.
Não sendo esse o caso, digo com clareza que é Pedro Santana Lopes.
Exatamente pelas suas características pessoais: afetividade, afabilidade, não ressentimento, abrangência, popularidade equilibrada de Norte a Sul.
Que o tornam muito mais capacitado para unir o partido e lhe insuflar ânimo.

Neste aspeto, Rio dividiria muito o PSD.A sua secura não criaria empatia.
A sua forte ligação ao Norte não o tornaria bem aceite em Lisboa.
E o facto de estar ligado ao grupo que não foi solidário com o partido quando este exerceu o Governo em circunstâncias dramáticas (grupo que integrava Manuela Ferreira Leite, António Capucho, Pacheco Pereira, etc.) é um pecado capital.
Os partidos não perdoam a quem os abandona nos momentos mais difíceis.