Relações com angola presas por um fio

Investimentos reduzidos a nada, morosidade na atribuição de vistos, o Governo angolano não quer cortar relações com Portugal, mas quer vincar a dimensão da ‘ofensa’.

Relações com angola presas por um fio

O processo contra o ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente em Portugal, cujo julgamento está marcado para começar a 22 de janeiro, esfriou as relações entre os dois países. A ponto de esta semana o Presidente João Lourenço ter falado em «ofensa» e ter deixado o aviso de que ou o processo é enviado para ser julgado pela Justiça angolana ou «a seu devido tempo Portugal tomará conhecimento das posições que Angola vai tomar».

Entre as posições equacionadas pelo chefe de Estado angolano para responder a Lisboa, caso não haja nenhum desenvolvimento a preceito no caso, podem ir da redução do investimento até praticamente nada ao cancelamento ou morosidade na atribuição de vistos, podendo chegar à suspensão dos mecanismos de cooperação judiciária entre os dois países. Como, aliás, já dera a entender o então procurador-geral da República de Angola, João Maria de Sousa, numa carta enviada à sua homóloga portuguesa, Joana Marques Vidal, a 3 de julho de 2017: «Por conseguinte, aguardamos que Vossa Excelência, por obséquio, nos informe se é possível manter o interesse nesse mecanismo de cooperação».

Em cima da mesa não parece estar a possibilidade radical do corte absoluto de relações diplomáticas entre os dois países, mas o Presidente João Lourenço não está disposto a ceder nesta matéria. Não só por uma questão pessoal e institucional, mas principalmente por em Portugal não se reconhecer que há mudanças a ocorrer em Angola e que a situação já não é a mesma.

Aliás, as declarações do Presidente angolano na entrevista coletiva mostram isso mesmo, o argumento já não é a sustentação na questão da imunidade de Manuel Vicente na altura do alegado crime, por ser vice-Presidente de Angola, mas o direito a ser a Justiça angolana a julgá-lo.

«Nós não estamos a pedir que ele seja absolvido, nós não estamos a pedir que o processo seja arquivado. Nós não somos juízes, não temos competência para dizer se o engenheiro Manuel Vicente cometeu ou não cometeu o crime de que é acusado. Isso que fique bem claro, a intenção não é livrar o engenheiro Manuel Vicente da acusação que lhe é feita, a intenção é que o processo siga os seus trâmites, que pode chegar até à fase de julgamento, mas que isso seja feito aqui em Angola, pela justiça angolana», afirmou.

Francisco Queiroz, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos angolano, dizia esta semana à Rádio Nacional de Angola que as autoridades dos dois países estão a equacionar a possibilidade de transferir para Angola o processo judicial contra Manuel Vicente por corrupção e branqueamento de capitais, no quadro da cooperação judiciária no âmbito da CPLP. Uma questão que terá de ser resolvida o quanto antes tendo em conta que o julgamento tem início marcado para o dia 22.

«Há um espaço para a transferência de processos. O assunto está a ser tratado e não seria prudente para ninguém fazer declarações precipitadas que possam ser objeto de leituras diversas, para não atrapalhar todo o trabalho que está a ser feito», disse Queiroz, acrescentando ser «prematuro falar em julgamento». Até porque Manuel Vicente nem sequer foi constituído arguido no processo, apesar de estar acusado e de ter sido pronunciado.