Da velocidade nas cidades à desertificação no interior

O fecho de balcões da banca (privada ou CGD) e dos CTT são medidas perfeitamente integradas nestes princípios de desertificação

Andar na estrada a conduzir e fazer anualmente uns valentes quilómetros tem muito de aventura. As tropelias dos portugueses ao volante são inúmeras, os excessos de velocidade contínuos e às vezes escapamos de acidentes por pura sorte! Vem este arrazoado a propósito de uma intenção verbalizada pelo ministro da Administração Interna de reduzir a velocidade nas cidades a 30 km/h na sequência de estatísticas de acidentes – medida que considero um perfeito disparate.

Há um problema de educação que é transversal à sociedade portuguesa: elevada falta de civismo que se nota bem ao volante num simples pormenor: não há polícia ou radar à vista? Então, «bora lá, gente!». Se houver azar e formos multados, até andam para aí uns advogados que são peritos em recursos administrativos para evitar as perdas de pontos na carta de condução. De facto, uma lei em vigor há quase três anos (e que deveria disciplinar a condução selvática) tem objetivamente uma eficácia bem reduzida, conforme artigos recentes que lemos na imprensa. Este é, para mim, o cerne da questão.

 Tem de se melhorar a repressão dos prevaricadores e nunca aumentar a opressão sobre a generalidade dos condutores, senhor ministro! Drones ou helicópteros são muito bem-vindos. Carros à paisana? Claro que sim. Nas cidades e nas estradas! Impor limites absurdos, incumpríveis ab initio, além de ser um disparate, é um convite à legitimidade de reclamações, inundando tribunais e incrementando a ineficácia das medidas punitivas.

O fecho de estações dos CTT pode ser totalmente justificado por princípios economicistas, sempre orientados para as rentabilidades, neste caso dos postos de atendimento. Sendo economista de formação, conheço estes raciocínios até à exaustão. Mas como todas as moedas têm duas faces, vejamos sob outro prisma: o dos utentes, em locais mais ou menos ermos, com populações reduzidas e envelhecidas. Ficam mais desprotegidos, mais sós!

 Andar pela província ajuda a perceber melhor estas realidades. As pessoas fugiram para o litoral por razões óbvias e também economicistas: à procura de emprego e melhoria de vida. Continuar a ‘racionalizar’ escolas será outro passo no mesmo sentido, não importando se miúdos pequenos têm de fazer quilómetros em carrinhas para ter direito à educação primária ou secundária. O fecho de balcões da banca (privada ou CGD) e dos CTT são medidas perfeitamente integradas nestes princípios de desertificação. 

Dir-se-á que sempre aconteceu. A província sempre se sentiu desprotegida! Mas também houve movimentos inversos que vale a pena recordar, porque fazem parte da nossa história. 

No século passado, enquanto milhares de portugueses optavam pela emigração, várias famílias aceitaram o desafio de colonizar as zonas mais desérticas do Portugal continental. Por curiosidade histórica, refiro que Salazar mandou preparar, por intermédio da Junta de Colonização Interna, num Plano de 1937, terrenos para 160 colonos que ocuparam 4.355 hectares de terrenos baldios (1). 

Nessa colonização do interior estava prevista a escola primária, o balcão dos Correios e o posto da GNR. E obviamente a igreja e as famosas estradas de paralelepípedos. Apenas relembro isto para referir que, num momento em que a grande fonte de emprego em muitas zonas na província são as Câmaras Municipais, estes encerramentos ditados pela modernidade têm de ser pensados com outros valores que não apenas a rentabilidade. E, sobretudo, com respeito pelas populações.

P.S. 1 – Nasci numa época de censura férrea, pelo que – muito influenciado pela educação familiar – defendo a liberdade de expressão, ao contrário de tanta gente de agora que objetivamente cerceia essa liberdade. Dito isto, será que na série Supernanny a SIC não poderia ter optado por reproduzir cenas reais através de desenhos animados, não expondo famílias e crianças a este voyeurismo  vergonhoso? Os debates e conselhos seriam idênticos e a polémica morria. Criatividade, precisa-se!

P.S. 2 – A população de Portugal continua a decrescer, espelhada na diferença entre nascimentos (86 mil) e óbitos (110 mil), acentuando uma tendência que vem de 2000. Estudos do INE referem que, a continuar esta tendência, em 2080 seremos apenas 7,5 milhões em vez dos 10,2 milhões atuais. Consequências óbvias? Com o aumento da esperança média de vida, o peso dos mais idosos no total da população vai acentuar-se e o rácio entre os que descontam e os que recebem irá atingir níveis dramáticos. Tudo o que hoje tememos. Mas aqueles que se preocupam com a sustentabilidade da Segurança Social são apelidados de insensíveis ou defensores da austeridade…

(1) Apenas por curiosidade histórica, segundo o professor catedrático Eugénio de Castro Caldas, em A Agricultura na História de Portugal, foram instalados 24 colonos no Alvão (Vila Pouca de Aguiar), 57 nos baldios de Boticas e Montalegre, 12 nos Milagres (Leiria), 36 na Colónia de Martin Rei (Sabugal), 10 na Boalhosa (Paredes de Coura) e 22 na Gafanha (Ílhavo). 

Manuel Boto 

Economista