Um sobreiro no Pinhal de Leiria

No meio de grande aparato mediático, António Costa deslocou-se ao Pinhal de Leiria, destruído pelo incêndio de 15 de Outubro, e plantou um… sobreiro.

Perante a perplexidade de alguns, o primeiro-ministro acalmou os ânimos, explicando que o Pinhal de Leiria «continuará a ser um pinhal».
Mas então – pergunto eu – por que razão plantou um sobreiro?
Não é verdade que os governantes devem dar os exemplos certos, pelo que o normal seria que o primeiro-ministro plantasse um pinheiro?
Por que não o fez?

As viagens do chefe do Governo são cuidadosamente preparadas – veja-se o que acontece nos hospitais quando recebem a visita de políticos… – e esta não deixará de o ter sido.
A plantação do sobreiro não foi, pois, obra do acaso: foi intencional.
E deveu-se certamente ao facto de, na fase em que estamos de domínio do politicamente correto, os sobreiros serem uma espécie particularmente bem vista.

Esta necessidade que os políticos têm de agradar às massas e ao que é ‘conveniente’ constitui um dos grandes problemas da política contemporânea.

E é talvez o principal problema deste Governo, que tem vindo a governar à vista, evitando tudo aquilo que possa provocar controvérsia.

E que aplica uma política popular, distribuindo pelas pessoas dinheiros que deveriam ser aplicados de outra forma.
Um bom exemplo disto é o facto de ter reduzido o investimento público a zero para poder devolver aos funcionários públicos os cortes nos ordenados e outras regalias.

Claro que, até certo ponto, percebo a posição de António Costa e a sua necessidade de agradar.
Nesta altura, ele está entalado entre duas frentes.

De um lado tem a extrema-esquerda, com o BE e o PCP a fazerem pressão no sentido de penalizar o capital e aumentar os rendimentos dos trabalhadores; doutro lado tem o Presidente da República.
De facto, Marcelo Rebelo Sousa, com a popularidade nos máximos, tem feito desde os incêndios uma marcação cerrada ao Governo.

 


António Costa: entalado entre o Presidente e a extrema-esquerda, a sua margem de manobra é curta

 

E embora isso não seja patente, há uma luta politica surda entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, com este a beneficiar da circunstância de não governar – e, portanto, não precisar de tomar medidas impopulares.
Note-se que Marcelo é o Presidente que tem sabido aproveitar melhor o facto de ter as ‘mãos livres’ – podendo dizer o que as pessoas gostam de ouvir, consolando-as, sarando as suas feridas, sem ter de apresentar resultados económicos, nem de cumprir défices, nem de resistir a reivindicações disparatadas, nem de fazer cortes que provoquem a ira popular.
Com um Presidente assim, António Costa tem de ser especialmente cuidadoso – pois, se estica muito a corda, se avança com medidas polémicas, se provoca o desagrado deste ou daquele grupo influente, lá tem Marcelo a aproveitar a situação.

Se não for hábil na gestão das expectativas, Costa será completamente engolido pelo Presidente da República, ficando sem qualquer margem de manobra.

Por outro lado, como se disse, António Costa tem a pressão do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda.
Que estão calados e mantêm a paz nas ruas porque o Governo lhes tem dado, no essencial, o que eles querem.
Mas se António Costa lhes bater demasiado o pé, eles revoltar-se-ão – até porque têm de dar satisfações aos seus eleitores.

O PCP tem de poder dizer: «Se os trabalhadores estão a viver melhor, é porque nós temos conseguido que o Governo tome as medidas certas».

E o mesmo vale para o BE (veja-se como reivindica ostensivamente em Lisboa a oferta dos livros escolares).
Assim, o primeiro-ministro tem de ir dando umas cenouras aos dois partidos para conservar o seu apoio.
Mas com Marcelo de um lado a pisar-lhe os calos, e com a extrema-esquerda do outro a fazer reivindicações e exigências, o espaço de decisão de António Costa é muito pequeno.
E é este, como se disse, o seu grande problema – e o grande problema do Governo.
Talvez o primeiro-ministro  achasse, por exemplo, que é preciso aliviar a carga fiscal sobre as empresas, para não estrangular tanto a economia e facilitar um maior crescimento económico.
Mas não o pode fazer, porque o PCP e o BE não deixam.
E em muitos outros assuntos verificar-se-á um bloqueio semelhante.

Entalado entre um Presidente muito popular e uma extrema-esquerda muito pressionante, António Costa tem de usar truques de trapezista para manter o barco à tona e ir fazendo o seu caminho.
Mas não precisava às vezes de ser tão politicamente correto.

Não precisava de dar o pontapé de saída da reflorestação do Pinhal de Leiria plantando um sobreiro. 
O pinheiro não é uma árvore assim tão detestável, caramba!

Afinal, foi a primeira vez que aquele pinhal sofreu um fogo tão devastador – e já lá vão 700 anos desde que foi plantado.