Fernando Negrão não leu do papel, mas disse o que pretendia deixar dito.
Ontem, o homem que tem sido dado como favorito para assumir a liderança parlamentar do PSD durante o consulado do recém-eleito Rui Rio colocou os pontos nos ii sobre esse tema e sobre outros igualmente atuais.
O ex-ministro, que até apoiou Pedro Santana Lopes nas diretas laranjas, disse-se mesmo “preparado” para ser presidente da bancada na Assembleia da República, ainda que remetendo a decisão para o líder eleito do PSD.
“Se não estivesse preparado para ser líder parlamentar depois de nove anos como deputado quase que me poderiam passar um atestado de incompetência”, afirmou, admitindo que “está na ordem do dia” a direção parlamentar “eventualmente ser mudada”, mas que “pode até nem ser mudada”.
“É uma decisão que cabe ao novo presidente do PSD no próximo congresso”, concluiu sobre esse tema, deixando campo aberto para os dias 16 a 18 deste mês, em que os sociais-democratas se reunirão na antiga FIL para a aclamação de Rui Rio. O nortenho, depois de vencer a eleição interna, remeteu a decisão acerca da liderança parlamentar precisamente para o congresso.
Mas não foi só nesse ponto que Negrão coincidiu com Rio. Também na justiça – pasta que Negrão já carregou como ministro e já serviu como juiz –, o deputado demonstrou aproximações ao sucessor de Pedro Passos Coelho.
“O caso do Ministério Público, que tem uma investigação em curso e deixa sair informações para ir gerindo a sua investigação criminal – neste caso, temos um problema ético”, afirmou Negrão, em manifesta sintonia com aquilo que Rio disse durante a corrida contra Santana Lopes, em que abriu a porta à não renovação do mandato da atual procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal.
“Façamos todos votos para que o sucesso que o Ministério Público tem tido, e tem tido muito, mercê do profissionalismo dos magistrados e de uma vontade férrea de combater a corrupção em Portugal, esperemos que isso não seja manchado por estes episódios menos bons da atividade judicial em Portugal”, afirmou.
"Não há um grande juiz" Depois, até contrariando o espírito mediático geral, considerou não haver nenhum “grande juiz em Portugal” nos dias de hoje.
“Sempre houve grandes juízes, hoje temos bons juízes, mas diria que não temos nenhum grande juiz”, disse Negrão, preocupado com a ausência de “referências” nacionais nas várias áreas profissionais.
Sobre a oferta de bilhetes para jogos de futebol a governantes em exercício de funções, o quadro do PSD não tirou o pé do acelerador. “É aquela coisa muito típica em Portugal em que um tipo até tem dinheiro para comprar o bilhete, mas se conseguir de borla é porque é um tipo importante”, ironizou, sem referir Mário Centeno, que se viu envolto em breve polémica depois de ter recebido bilhetes para assistir a uma partida de futebol do Benfica.
“Do ponto de vista ético, é perfeitamente condenável andar a pedinchar bilhetes para a bola. Do ponto de vista criminal, presumo que também seja condenável andar a pedinchar e aceitar os bilhetes para a bola”, sentenciou o político, que foi orador num almoço-debate organizado pelo International Club of Portugal, no Hilton Fontana, em Lisboa.
O também ex-ministro do PSD Barreto Xavier esteve presente, assim como o jornalista Fernando Lima, Francisco Rodrigues dos Santos (presidente da Juventude Popular), Luís Queiró (do CDS) e Maria de Belém (do PS). Do PSD, à vista do i, constava somente uma colega deputada de Negrão. O tema da palestra, escolhido pelo convidado, foi uma questão: “Convive bem a ética com a política?”
Um TC sem meios Negrão começou por contextualizar pela sua experiência e por via histórico–filosófica. O elo entre ética e política tem sido, ao longo da História, mudado pelos praticantes da dita. De Aristóteles (o unificador de ambas) a Maquiavel (que divorciou a política da ética), Negrão deu aula e mostrou algum otimismo nos tempos correntes quanto ao reencontro das duas partes.
Terminando com as soluções, deixou o diagnóstico real auxiliar a digestão dos presentes. No que diz respeito às declarações de rendimentos a que os detentores de cargos públicos estão sujeitos, ele, que está na vida pública há bastante tempo, deixou claro: “O Tribunal Constitucional não tem meios suficientes para confirmar a veracidade [dessas declarações].”