Carlos Queiroz. Na encruzilhada entre a História e a memória!

Deixou obra no Irão e tornou-se um dos pouco treinadores a conseguirem quatro classificações para mundiais. Se atingir uma quinta, será único. “É um sonho bonito!”, diz

Torna-se pastoso o caminho que separa o meu hotel da Academia da Federação Iraniana, atravessando campos de treino forrados de neve que chega, por vezes, a ultrapassar largamente a altura dos artelhos enregelados.

Apesar de ir tendo, aqui e ali, jogadores a fazer trabalhos físicos ou técnicos específicos com a sua jovem equipa de colaboradores, Carlos Queiroz sabe que estes dias ficaram absolutamente condicionados por uma intempérie que assolou o país como não se via igual há mais de 30 anos. Por isso, no conforto aquecido à força de ar condicionado do seu gabinete de trabalho, dedica-se por estes dias mais às questões burocráticas que o rodeiam quotidianamente, não fosse ele mais do que um simples selecionador, assumindo um papel mais parecido com os managers dos clubes ingleses, como intervenção em áreas administrativas.

“Fico com a suprema satisfação de ter deixado um trabalho feito”, diz enquanto nos mostra as instalações da academia. “Quando aqui cheguei não havia nada disto. As condições de trabalho eram incomparavelmente piores. Tive de entrar em algumas guerras mas, quando sair, entregarei a chave deste edifício às grandes figuras do futebol iraniano, como o Ali Daei, e direi: tirem proveito e usem tudo isto para garantir o futuro do futebol iraniano”.

Ali Daei, conhecido por Shariar, o Rei, é o atual treinador do Persépolis, o clube mais poderoso do país, com fortes ligações ao aparelho governativo que fazem com que os adversários se queixem permanentemente de situações de favorecimento. Mas estamos no Irão e não há muito a fazer em relação a isso. Daei, com 48 anos, atingiu o topo da carreira como jogador na época de 1998-99 ao assinar contrato com o Bayern de Munique, vindo do Arminia Bielefeld. Ainda fez mais de 20 jogos pelos bávaros, mas seguiria para o Hertha de Berlim no ano posterior.

Esteve nos Mundiais de 1998 e 2006, o que lhe dá um estatuto único.

Já Carlos Queiroz é simplesmente endeusado pelos adeptos iranianos, e pode dizer–se sem rebuço que neste país, todos, homens, mulheres e crianças, são absolutamente fanáticos pelo jogo inventado pelos ingleses.

O sonho Torna-se impossível jantar sossegado com o selecionador do Irão à mesma mesa. As investidas são contínuas. Pedidos de fotografias constantes. Agradecimentos efusivos: “Obrigado por tudo o que tem feito pelo nosso país. ‘Mers’!”

A segunda qualificação consecutiva para uma fase final de um Campeonato do Mundo conquistada à frente do “Team Melli”, como chamam por aqui à equipa nacional, elevou a aura mágica de Carlos Queiroz aos píncaros. Para ele, pessoalmente, outro número importante: é a sua quarta qualificação. “Conseguir uma quinta classificação para um Mundial seria um sonho. Seria o único na história do futebol a fazê-lo. Veremos se essa possibilidade pode ser concretizada. Reconheço que me vou cansando deste nunca mais acabar de viagens pelo mundo todo e desta distância forçada da família. Algum dia destes vou ter de parar e aproveitar o que me resta da vida.”

Recorde-se que Carlos Queiroz apurou a África do Sul (2002), Portugal (2010) e Irão (2014 e 2016). Intrigas políticas dentro da federação sul-africana impediram-no de estar no banco na Coreia do Sul e no Japão. Daqui a cinco meses estará na Rússia, tendo Portugal, Espanha e Marrocos como adversários na primeira fase. “É bom começar com Marrocos. Estaremos num ponto alto. Depois é esperar que um dos outros dois saia amachucado do jogo de estreia. Só assim poderemos sonhar com qualquer coisa”.