Entre a polémica da revisão ao decreto-lei que regulamenta a Lei do Cinema, há duas semanas aprovado em Conselho de Ministros e a aguardar promulgação do Presidente da República, a Plataforma do Cinema exigiu à tutela um esclarecimento sobre os planos do governo para os setores do cinema e do audiovisual, depois de na semana passada o presidente do Instituto do Cinema e do Audiovisual, Luís Chaby Vaz, ter admitido, em declarações ao “Público”, a possibilidade de estudar uma nova repartição dos apoios do ICA para as áreas do cinema e da televisão.
Declarações que, nota a Plataforma do Cinema num comunicado enviado à imprensa, “parece confirmar os piores receios expressos pela Plataforma do Cinema”. Ou seja: “A interferência da SECA na nomeação de júris dos concursos de cinema é apenas a ponta do icebergue de uma estratégia global de takeover dos montantes de financiamento público do ICA por operadores de telecomunicações e televisões”.
Uma nova polémica que surge depois de no mês passado vários candidatos terem pedido ao ICA, conforme noticiaram o SOL e o i, a anulação dos resultados provisórios dos concursos de apoio à produção de documentários cinematográficos de 2017, argumentando que nas avaliações dos currículos das produtoras e dos realizadores o júri desrespeitou os regulamentos, ao valorizar de forma sistemática percursos na área televisiva, em detrimento do cinema.
No quarto encontro da Associação de Produtores Independentes de Televisão (APIT), que aconteceu na quinta-feira da semana passada, foi apresentado um estudo realizado para a APIT pela Ernst&Young, a sociedade de advogados Gama Glória e Catarina Burnay, da Universidade Católica, que recomenda uma nova repartição das verbas do orçamento do ICA em que a televisão passaria a beneficiar de um “nível superior a 30% da proporção dos apoios concedidos ao audiovisual e multimédia”, sugerindo que chegue mesmo aos 40% do orçamento total do ICA – atualmente repartido entre 20% para os apoios ao audiovisual e 80% para o cinema.
Confrontado com as recomendações do estudo, intitulado “O Plano Legislativo e Regulatório Português para o Audiovisual”, Luís Chaby Vaz respondeu ao “Público” que a proposta é “razoável, de difícil concretização mas não impossível”, porque “a evolução do próprio audiovisual está a justificar uma maior atenção por parte do ICA”, acrescentando depois que “há um caminho a fazer de parte e a parte” e que cabe também ao setor do audiovisual fornecer ao ICA capazes de "sustentar que o apoio público seja revisto”.
As declarações de Chaby Vaz preocuparam a Plataforma do Cinema, que agrega um conjunto de estruturas do setor, de associações de realizadores e produtores a sindicatos e os principais festivais de cinema portugueses e que tem batalhado por uma alteração à regulamentação à Lei do Cinema que restabeleça o procedimento de nomeação de jurados para os concursos dos apoios ao cinema e ao audiovisual anterior a 2013, restituindo essa função integralmente ao ICA.
No mesmo comunicado, a Plataforma adianta que pediu já ao secretário de Estado Miguel Honrado um esclarecimento sobre os planos efetivos da tutela para o setor, questionando se terá o ICA “a necessária cobertura do Secretário de Estado da Cultura para preparar terreno para uma revisão da lei”, que não permite atualmente a repartição dos apoios sugerida pelo estudo apresentado pela APIT. “Ou se [o presidente do ICA] apenas falou em motu próprio, assumindo uma vontade política que está para além das competências inerentes ao seu cargo”.
A Plataforma do Cinema recorda ainda que “a atual Lei do Cinema estabelece uma repartição dos recursos do ICA em 80% para o Cinema e 20% para o Audiovisual, podendo esta proporção passar para 70 /30, caso se cumpram determinadas condições estabelecidas pela Lei do Cinema, as quais não têm sido cumpridas”.