Secretário-geral do PSD retifica currículo

Feliciano Barreiras Duarte estava convencido que tinha o estatuto de ‘visiting scholar’ de Berkeley. Mas não consta dos registos da Universidade da Califórnia. Porque não o tem. Confrontado pelo SOL, o deputado diz que até chegou a pedir parecer à Comissão de Ética da Assembleia da República, mas reconhece que nunca esteve em Berkeley, porque…

Feliciano José Barreiras Duarte, ex-secretário de Estado, deputado e novo secretário-geral do PSD nunca teve o estatuto de ‘visiting scholar’ na Universidade da Califórnia, em Berkeley.  

Apesar de o político se apresentar nos seus livros publicados desde 2009 como ‘visiting scholar’ nessa universidade desde 2009, em investigação para uma tese sobre Direito da Imigração – pasta que já tutelou como governante -, a instituição norte-americana desmente essa possibilidade ao SOL. 

Berkeley nega

Em documento oficial enviado ao SOL, o departamento de relações públicas de Berkeley assegurou: «O diretor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, para os programas de Doutoramento e assuntos dos ‘visiting scholar’ percorreu todos os registos até ao ano em que Feliciano Barreiras Duarte nasceu, não tendo encontrado qualquer documentação de que alguma vez tenha sido oficialmente um ‘visiting scholar’ nesta universidade. É possível que tenha vindo visitar um dos nossos departamentos, mas não temos qualquer registo disso, e nessa visita não terá sido certamente considerado um ‘visiting scholar’, na medida em que isso se trata de uma designação formal». 

Em Berkeley, segundo os estatutos da universidade, para se obter o estatuto de ‘visiting scholar’ são necessários requisitos como a permanência na Universidade para desenvolvimento da respetiva investigação por mais de um mês, e também a apresentação de um application form – que corresponde a um certificado de candidatura. 

Confrontado pelo SOL, Feliciano Barreiras Duarte não se revelou na posse desse application form e esclareceu que nunca chegou a ir presencialmente a Berkeley, ainda que defenda «estar inscrito» na universidade como ‘visiting scholar’, apesar do desmentido oficial da instituição a esse cenário e da impossibilidade estatutária a que isso corresponde: de acordo com as normas de Berkeley, é preciso visitar Berkeley para ser se ‘visiting scholar’ – académico visitante – em Berkeley. 

O secretário-geral do PSD, que acompanhou Rui Rio como conselheiro durante a eleição interna contra Pedro Santana Lopes, apresenta-se, por exemplo, como «visiting scholar na Universidade de Berkeley, Califórnia, EUA (2009)» em livros por si publicados como Legislação das Eleições Legislativas e da Posse, Composição e Organização dos Governos em Portugal, de setembro de 2011, ou A Hierarquia dos Actos Normativos e o Processo Legislativo em Portugal, de novembro de 2010. Ambos publicados pela Âncora Editora e presentes na bibliografia de Feliciano Barreiras Duarte disponível na página da Assembleia da República. «Está a concluir o doutoramento com uma tese sobre Políticas Públicas e Direito da Imigração em parceria com a Universidade Pública de Berkeley, Califórnial, EUA, com o estatuto de visiting scholar», reza, no interior de ambos os livros. 

Na plataforma pública De Góis –  financiada pelo Ministério da Educação através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia [FCT], que reúne os currículos e a produção científica dos investigadores académicos portugueses  – Barreiras Duarte apresenta-se como «doutorando em Ciência Política, com tese sobre Políticas Públicas e Direito da Imigração, pela Universidade Lusófona de Lisboa e pela Universidade de Berkeley, Califórnia, EUA, onde desde o ano de 2009, tem o estatuto de Visiting Scholar». 

Uma carta 

Em resposta ao facto de o diretor dessa universidade para os programas de Doutoramento e assuntos dos ‘visiting scholar’ negar a sua presença nos registos, tanto como doutorando quanto como ‘visiting scholar’, Barreiras Duarte facultou ao SOL uma carta (sem selo) do Instituto de Estutos Europeus de Berkeley, assinada pela professora Deolinda M. Adão e intitulada como certificado. 

No envolope, a carta tem o «Centro para Estudos da Europa Ocidental» como remetente; no seu interior, porém, o remetente é o «Instituto de Estudos Europeus». Ao SOL,Barreiras Duarte fala, por outro lado, em «Centro de Estudos Portugueses».

Nesta carta, pode ler-se: «Em nome da Universidade Pública University of California, Berkeley, Estados Unidos da América, e do seu Instituto de Estudos Europeus certifico e faço fé que o professor Feliciano Barreiras Duarte, com nacionalidade portuguesa, se encontra inscrito nesta Universidade com o estatuto de ‘visiting scholar’, no âmbito do seu Doutoramento em Ciência Política com a tese Políticas Públicas e Direito da Imigração. Mais faço saber nos termos das disposições legais aplicáveis em vigor, que o Professor Feliciano Barreiras Duarte me irá ter como orientadora dos seus estudos de investigação durante o período de tempo em que vigorar a sua relação e estadia nesta Universidade». Assinado pela mencionada professora Deolinda Adão. 

Barreiras Duarte garante que a «relação» como ‘visiting scholar’ se deu, ainda que a «estadia», por outro lado, não se tenha consumado.

‘Falsificação’

O SOL encaminhou a carta transcrita para Berkeley e para a própria Deolinda Adão e a resposta foi breve: a universidade tornou a desmentir a veracidade do seu conteúdo, considerando-o «falso» e remetendo demais respostas para «a nossa professora». Ao telefone da Califórnia, Deolinda Adão nega também a autenticidade do documento. Além de esclarecer que a instituição não se chama «Universidade Pública de Berkeley», mas sim «Universidade da Califórnia, em Berkeley», a académica diz ao SOL que está «pronta a declarar em tribunal que esse documento é uma falsificação».

«Essa é, de facto, a minha assinatura, mas o que aí está escrito nunca foi escrito por mim. Não tenho poder nem estatuto para declarar o estatuto de ‘visiting scholar», acrescenta Deolinda Adão. «Repare: nenhum documento desta universidade é escrito em português; o idioma da instituição é o inglês», esclarece a académica, que recebe investigadores portugueses em Berkeley há mais de uma década, incluindo escritores lusófonos de renome como Pepetela. 

«A princípio, ainda quis dar o benefício da dúvida porque recebo muitos alunos há vários anos e poderia não ter memória deste. Mas assim não. Esse documento é forjado. Feliciano Barreiras Duarte nunca cá esteve», termina, ainda ao SOL, Deolinda Adão, que não descarta avançar com um processo judicial contra o político por este utilizar o seu «bom nome para proveito próprio». 

Barreiras Duarte, que havia mencionado Deolinda Adão como orientadora e recetora de vários papers académicos seus, vê assim a professora universitária negar «qualquer registo» do seu nome no seu arquivo ou no seu correio eletrónico, insistindo que a carta apresentada por Feliciano Barreiras Duarte corresponde «a uma falsidade». 

Ao SOL, os serviços da universidade, que já haviam também negado «qualquer registo» de Barreiras Duarte, reafirmam a não autenticidade da carta que o deputado apresentou a este semanário como certificado. 

‘Nunca lá foi’

Manuel Pinto de Abreu, que foi secretário de Estado do Mar no mesmo Governo em que Feliciano Barreiras Duarte foi secretário de Estado Adjunto, e que acompanhou o seu doutoramento enquanto ambos lecionavam na Universidade Lusófona, afirma, por sua vez, ao SOL que «foi desenvolvido um trabalho preparatório» para Barreiras Duarte ser ‘visiting scholar’, mas que o estatuto nunca foi consumado. 

«O estatuto [de ‘visiting scholar’] acabou por oficialmente nunca ser tornado realidade. Ele nunca lá foi», conta Pinto de Abreu, hoje catedrático convidado na Faculdade de Engenharia do Porto – e secretário de Estado no primeiro Governo de Passos Coelho até ao momento em que Miguel Relvas deixou de ser ministro, à semelhança de Feliciano Barreiras Duarte. 

«Houve trabalho desenvolvido e preparado até à altura em que esteve comigo, sim», prossegue, na medida em que Barreiras Duarte transferiu depois o seu projeto de doutoramento para a Universidade Autónoma de Lisboa, onde ainda não o concluiu. «Na altura, eu era professor na Lusófona e foi aí que as coisas se iniciaram. Depois, entretanto, deixei de estar ligado à Lusófona. A partir daí, a única coisa que se manteve foi a possibilidade de estar entre os membros do júri que viessem a avaliar o doutoramento dele». 

Para Pinto de Abreu, «houve a abertura de um processo para a concretização do estatuto de ‘visiting scholar’, mas esse processo nunca foi oficializado porque, para isso, ele [Feliciano] teria de ter estado presente em Berkeley e isso nunca aconteceu». A preparação de material académico, diz o ex-secretário de Estado, é que «sim, foi produzida». Os tais papers que Deolinda Adão, professora em Berkeley, nega ter recebido, que Pinto de Abreu diz «nunca ter intermediado» entre esta e Barreiras Duarte, e que o político disponibilizou ao SOL. 

Feliciano Barreiras Duarte responde na entrevista ao lado, em que assume que retificará o seu currículo, retirando as referências ao estatuto de ‘visiting scholar’.