Salvo algum acontecimento extraordinário, o vencedor das próximas eleições será o Partido Socialista.
Assim, a luta do CDS não é contra António Costa pelo primeiro lugar – é contra o PSD pelo segundo lugar.
E por isso mesmo Assunção Cristas veio dizer que o seu partido concorrerá sozinho em 2019.
O CDS quer medir forças com o PSD, porque ambiciona tornar-se mais tarde ou mais cedo o maior partido da direita.
E pode consegui-lo.
A estratégia de Assunção Cristas, como a de outros líderes que tiveram sucesso, começa por dividir bem as águas entre esquerda e direita.
Na entrevista a Vítor Gonçalves, na quarta-feira, ela falou sempre no «Governo das esquerdas unidas», opondo-o ao «bloco de centro-direita», onde ela disse situar-se.
E a sua ambição é liderar um dia esse bloco – hipótese que ganhou maior verosimilhança a partir da eleição de Rui Rio para a liderança do PSD, e, imagine-se, depois de António Costa se ter tornado primeiro-ministro sem ter vencido as eleições legislativas.
Porquê?
Porque, antes da formação da ‘geringonça’, muita gente situada à direita, podendo simpatizar com o CDS, votava no PSD por razões de ‘utilidade’: visto ser o maior partido da direita e, consequentemente, o único que poderia ganhar eleições e formar Governo.
Mas isso acabou.
Passando a ser indiferente qual é o partido mais votado, interessando apenas saber se é o ‘bloco de esquerda’ ou o ‘bloco de direita’ quem tem mais deputados, para um eleitor de direita tanto faz votar no CDS como no PSD.
As razões que levavam ao voto útil desapareceram.
A formação da ‘geringonça’ teve este efeito – e por isso, paradoxalmente, beneficiou o CDS.
Por outro lado, é óbvio que a eleição de Rui Rio no Partido Social Democrata veio beneficiar a estratégia de Assunção Cristas.
Porque lhe entregou muito espaço político.
Ao ‘recentrar o partido’, Rio não vai conseguir ter um discurso muito diferente do do PS – enquanto o CDS tem uma identidade clara e um discurso distinto.
Enquanto Assunção Cristas desafia António Costa no Parlamento, Rui Rio encontra-se com ele em S. Bento, passando a ideia de que existe uma certa cumplicidade entre ambos.
Enquanto Assunção Cristas separa bem as águas entre direita e esquerda, Rui Rio mistura-as.
Por tudo isto, Cristas está hoje de certo modo sozinha à direita e sozinha na oposição, o que é um importante trunfo.
É neste quadro que o CDS realiza o seu Congresso, donde deverá sair como um partido menos ‘cristão’ e mais ‘pragmático’.
Um partido que quer abrir-se, não estar acantonado ideologicamente, não ter o rótulo do partido dos ‘ricos’ e dos ‘betinhos’, falar para toda a gente.
E isto para quê?
Exatamente para cavalgar sobre o PSD e lhe roubar votos.
Mas Assunção Cristas quer fazê-lo sem perder a identidade, ou seja, sem deixar de se colocar na direita, para poder apresentar-se como alternativa às «esquerdas unidas».
Enquanto Rui Rio, ao aproximar-se do Governo,misturou as águas entre direita e esquerda, Cristas quer assumir-se como a líder da oposição à esquerda.
Acrescente-se que o facto de ser mulher, em vez de ser um handicap, é hoje uma mais-valia.
O discurso de oposição na boca de uma mulher passa melhor.
As pessoas estão fartas de guerras entre os partidos, de discursos inflamados – e Assunção Cristas, mesmo quando é muito contundente no ataque ao Governo, é olhada de outro modo.
António Costa, aliás, já sentiu isso no Parlamento por mais de uma vez, respondendo à líder do CDS de forma deselegante ou mesmo machista.
Além disso, Assunção Cristas é uma máquina em campanha eleitoral, como se viu nos Açores e nas eleições para a Câmara de Lisboa.
É quase impossível o CDS ultrapassar o PSD nas próximas legislativas, porque parte de um patamar muito mais baixo.
Mas vai crescer muito, porque tem tudo a seu favor: uma maior identidade, um discurso que se diferencia mais do discurso do Governo, uma líder com um jeito próprio de fazer oposição e uma imagem positiva mesmo quando critica.
P.S. – As eleições em Itália vieram mais uma vez mostrar aquilo que tenho repetidamente escrito: a questão da imigração vai assumir progressivamente maior importância, e se os partidos centrais não lhe derem resposta os extremos vão crescer e ameaçar a democracia.