Porque há gente um pouco por todo o lado empenhada em limpar as suas propriedades e as matas, porque há queimadas em série como nunca se viu, porque mesmo em áreas ardidas há um trabalho já notável e há árvores cortadas e em remoção e aceiros recuperados e casos evidentes de distâncias às estradas e edificados finalmente respeitadas.
Muitas Câmaras promoveram ações de informação e esclarecimento junto de proprietários, arrendatários e munícipes.
A GNR tem mais meios e está mobilizada para o levantamento de todas as áreas de risco e, em particular, das zonas definidas como prioritárias.
Os bombeiros estão a ser sensibilizados pela Autoridade Nacional de Proteção Civil para os perigos da obesidade e pré-obesidade em que se encontra uma percentagem demasiado alta de profissionais e voluntários – diminuindo a capacidade de resistência e aumentando os riscos para a saúde e integridade física dos próprios em situações de emergência.
Os autarcas estão conscientes das sanções – civis e criminais – e das consequências para os orçamentos das respetivas autarquias em caso de incumprimento das determinações legais, conforme a lei vigente mas até aqui em desuso e a lei do Orçamento do Estado para o ano corrente.
Mas há também, e são igualmente visíveis – para entendidos e não entendidos -, inúmeros casos de perigo evidente.
Não houve, nem há, tempo para reflorestar o país de lés a lés ou planear e ordenar a floresta nacional como se fosse possível fazê-lo num golpe de asa ou num passo de magia. É óbvio que essa gigantesca tarefa ainda levará décadas a concretizar, mesmo que já tenha começado. Porque é inadiável.
Como inadiável é a eliminação, o mais possível, de todos os riscos prementes.
Depois do que se passou em 2017, não há elasticidade possível.
Em matéria de prevenção, faça-se tudo o que pode e deve ser feito. Aqui e agora, sim, sem afetos.
O Presidente da República esteve extraordinariamente bem no apoio às populações, na exigência de apuramento de responsabilidades, no ultimato ao Governo para que nada fique como dantes na prevenção e no combate a um verdadeiro flagelo nacional.
Não pode, agora, estragar tudo. Ainda que esteja bem intencionado. Porque, como diz o povo, de boas intenções está o inferno cheio.
E os incêndios de 2017 foram um inferno.
Ora, neste clima, Marcelo Rebelo de Sousa pode involuntariamente ter prestado um mau serviço à sua causa de tudo fazer – doa a quem doer – para evitar que se repitam tragédias como as de 2017.
Marcelo comprometeu-se, e bem, a fazer da prevenção e combate aos incêndios uma causa nacional, ‘o’ desígnio nacional e a primeira das prioridades do seu mandato presidencial.
Na passagem do segundo aniversário da sua posse como Presidente da República não se esqueceu do tema.
Mas foi infeliz.
Apelando à ‘elasticidade’ das autoridades no que respeita aos prazos para a limpeza das propriedades, e justificando-a com o mau tempo dos últimos dias, Marcelo comete um erro de palmatória.
Haja o que houver, se a lei não é para cumprir e fazer cumprir, o Presidente da República deve ser o primeiro a intervir em sua defesa, porquanto foi investido nas suas funções sob juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição – logo, a Lei.
Marcelo pode enviar mensagem ao Governo ou à Assembleia para que mude a lei ou altere os prazos e cominações do seu incumprimento.
Mas não pode, não deve, apelar à ‘elasticidade’.
Se o Governo mostrar flexibilidade, voltamos ao mesmo. O alargamento do prazo entretanto anunciado por António Costa – até junho – foi a melhor resposta do Governo. E mesmo assim, quem sabe não será excessiva.
Se não é possível fazer num ano o que não se fez em décadas, é possível fazer num ano o que nunca foi feito e o mais possível.
E isso não se compadece com desculpas do mau tempo, da chuva, de tempestades ou do que quer que seja. Ou com mais ‘elasticidades’.
Porque a verdade é que, passados mais uns largos meses desde Pedrógão e do 15 de outubro, as responsabilidades continuam por apurar e as consequências ficaram-se pela demissão de uma ministra e de um secretário de Estado, mais um outro comandante operacional, que manifestamente estavam nos lugares errados no tempo errado.
Chorar não adianta. E os afetos devem guardar-se para os momentos em que eles são verdadeiramente precisos.
Em tempo de agir, os afetos não passam de populismo.
PS: António Costa não deve comprar o SOL nem o i. Ou, se compra, não lê. Nos últimos meses, o desígnio nacional da prevenção e combate aos incêndios é o tema mais recorrente nas capas do SOL e do i. Como, aliás, nesta página (só nas últimas semanas, esta é a terceira crónica dedicada à reforma em curso – quer nas estruturas e meios de combate quer na prevenção – desde que o SOL, há cinco edições, fez a manchete «Incêndios: Costa implacável com as Câmaras», que antecipou o debate agora generalizado sobre a limpeza de terrenos).