Empresas portuguesas participam em missões a Marte, Júpiter e ao Sol

A expressão “ecossistema espacial português” surge na resolução do conselho de ministros, publicada esta semana e que torna oficial a nova estratégia nacional para o espaço. Eis quatro empresas de um setor que o governo acredita ter potencial para crescer de 1400 para mais de 5000 empregos na próxima década. Sabia que já “ajudámos” a…

Deimos engenharia. Do desenho de satélites ao sonho de levar a primeira peça portuguesa para a Lua

Os projetos são muitos e nem sempre fáceis de perceber para um leigo na matéria. Nuno Ávila, de 44 anos, fez parte da primeira fornada de engenheiros aeroespaciais do Instituto Superior Técnico e fundou em 2002 a Deimos Engenharia, filial portuguesa do grupo Deimos. “No início era eu, uma secretária e pouco mais”, diz. “Uma mesa mesmo”, sorri. Mais de 15 anos depois, do currículo faz parte o desenvolvimento de satélites, um deles ainda hoje líder de mercado para aplicações de agricultura e que tem como cliente, por exemplo, o departamento agrícola dos EUA. 

Se a unidade fabril de integração de satélites está em Espanha, em Portugal têm o quartel-general no Parque das Nações e trabalham em processamento de dados e desenvolvimento de missões. De ajudar a planear missões a Marte a desenvolver a plataforma que divulga as imagens recolhidas pelo Copernicus – um programa europeu de observação da Terra -, é difícil selecionar o projeto que mais se destaca. “Um dos primeiros projetos em Lisboa foi calcular o local de aterragem da primeira missão europeia a Marte, a MarsExpress.” O desfecho, em 2004, não ficou para a História, já que o rover não ficou operacional. Mas não foi por aterrar no sítio errado.

Entretanto, na mesma linha, contribuíram nos cálculos para trajetórias não só de novas missões ao planeta vermelho mas também a Júpiter. Em suma, 150 a 200 projetos com a Agência Espacial Europeia nos últimos anos. “Conseguimos garantir a Portugal, desde a nossa fundação, quase 30 milhões de euros em trabalho na área do espaço e já liderámos mais de 15 projetos a nível europeu, quer na área do espaço quer na área de aplicações do espaço, nomeadamente marítimas.” São, por exemplo, membros fundadores do projeto AIR Center, para o estudo do Atlântico. E estão envolvidos no estudo da viabilidade de microlançadores de satélites (foguetões) a partir dos Açores para o espaço.

Por tudo isto, Nuno Ávila acredita que a estratégia espacial formalizada esta semana é uma boa notícia. “É o assumir da importância do setor. Por cada euro investido no espaço, as análises econométricas mostram que retornam quatro euros à economia. À nossa economia ainda só retornam dois euros por cada euro investido porque somos um país emergente nesta área, com 20 anos de experiência. Além disso, são exportações puras, não precisamos de importar quase nada”, sublinha o engenheiro.

Mesmo quando o futuro parece não estar tanto em missões de fundo mas em aplicações mais terrestres, Nuno diz que não deixam de sonhar. “A última proposta que fizemos é para levar o primeiro componente português até à Lua. Para nós, isto continua a ser importante”, sublinha, apresentando a Deimos, que fatura 4 milhões de euros, como “a empresa com mais carisma espacial em Portugal.” E querem continuar a apostar no futuro: recebem alunos de mestrado e doutoramento e criaram um prémio para os melhores estudantes de Engenharia Aeroespacial do Técnico. Até porque o recrutamento, que é “permanente”, continua a ser um desafio. “Ainda temos alguma dificuldade em encontrar as pessoas de que precisamos”, admite. 

Critical Software. Chamaram a atenção  da NASA e nunca mais pararam

A história da empresa fundada em Coimbra e que hoje emprega mais de 600 pessoas começa em 1998, com o que até poderia parecer uma brincadeira. Três alunos de doutoramento publicaram um conjunto de artigos científicos, entre os quais trabalhos sobre a “injeção de falhas em sistemas críticos”, descreve Ricardo Armas, que é como quem diz uma forma de testar se os sistemas são assim tão robustos ou permeáveis a problemas. “Houve umas pessoas da NASA que leram esses artigos e contactaram-nos para poderem trabalhar com eles”, diz o hoje responsável pela área do espaço da Critical Software. “Provavelmente, no início nem acreditaram que era verdade”, sorri.

Falamos de Gonçalo Quadros, João Carreira e Diamantino Costa, os fundadores da empresa que, desde então, não parou de crescer, embora não se tenha ficado pela programação crítica na área do espaço, já que trabalha também no setor automóvel e aeronáutico, no campo da aviação civil e militar. 

Os projetos espaciais incluem a programação do “cérebro” de diferentes satélites, mas também o processamento de dados de instituições como a EUMETSAT (que trabalha com dados de satélites meteorológicos) ou o Observatório Europeu do Sul (ESO). Atualmente têm em mãos, por exemplo, projetos ligados aos telescópios do futuro, seja o ELT, sigla para Extremely Large Telescope, ou o Square Kilometre Array (SKA), que será o maior telescópio do mundo. 

No repertório há outras missões que aguçam a curiosidade dos amantes do espaço, como o Solar Orbiter da Agência Espacial Europeia, uma sonda que vai estudar a estrela mais próxima de nós e cujo lançamento deverá acontecer entre este ano e o próximo. A Critical Software foi também selecionada para desenvolver o software que controla a mais recente missão europeia a Marte – ExoMars. Depois de trabalharem na sonda lançada em 2016, estão a trabalhar no rover, sempre numa mesma ótica: programar sistemas críticos.

Ricardo Armas, de 40 anos, acredita que esta nova aposta de Portugal numa estratégia espacial vai permitir ligar várias peças que até aqui estavam separadas, apontando para caminhos essenciais como aproveitar melhor os recursos naturais, como o mar – e a observação a partir do espaço torna-se uma ferramenta incontornável. “Se calhar, até aqui tínhamos uma visão que não estava tão delineada e não estava tão atenta aos nossos recursos”, resume.

Quanto à Critical, o objetivo é continuar a crescer. Este ano apontam para uma faturação na casa dos 45 milhões de euros em todos os setores, cerca de três milhões na área do espaço. Recrutar e formar a geração futura é outra preocupação. “Estamos semanalmente à procura de pessoas e hoje temos programas internos de treino para as diferentes áreas em que trabalhamos.” 

GMV. Dos testes às máquinas voadoras da ESA ao combate  ao lixo espacial

A adesão de Portugal à Agência Espacial Europeia no ano 2000 contribuiu para o pontapé de saída da GMV em Portugal, já que o grupo surge inicialmente em Espanha. Por cá, adquirirem em 2005 a Skysoft Portugal, que já trabalhava no setor aeronáutico desde 1998.

Teresa Ferreira, hoje com 38 anos, vem desses primórdios e hoje é responsável pela área do espaço na GMV Portugal. Nos escritórios em Lisboa são atualmente quase cem pessoas e trabalham por exemplo na monitorização e avaliação de sinais de programas internacionais como o sistema de navegação Galileu, embora a maioria do trabalho nessa área seja feito nas instalações do grupo na Holanda, onde têm antenas apontadas aos satélites para recolher informação. 

Em Portugal, têm um centro de referência na área de aviónica, diz Teresa Ferreira, que adianta que este ano a empresa aponta para uma faturação na casa dos seis milhões de euros. Um dos produtos de topo é um banco de testes que é utilizado pela Agência Europeia antes de fazer voar qualquer veículo, seja um rover ou um micro-lançador, um foguetão.

Outra área em que estão envolvidos prende-se com o problema do lixo espacial, satélites ou componentes de equipamentos obsoletos e à deriva pelo espaço que podem dar cabo de outros equipamentos ativos com a força destruidora de uma granada. “A nossa aposta é desenvolver sistemas que permitam identificar o lixo, calcular o risco de colisão e definir estratégias que permitam abordar os detritos e enviá-los para órbitas seguras”, descreve a reportagem.

Mas o que fazem concretamente? “A melhor imagem é talvez dizer que tratamos do ‘piloto automático’ destes sistemas”. Outra vertente em que têm trabalho para apresentar tem muito a ver com as aplicações mais terrestres das ferramentas espaciais para as quais aponta a nova estratégia nacional publicada oficialmente esta semana pelo governo. No âmbito do programa europeu para a Observação da Terra Copernicus, trabalham em serviços como vigilância de fronteiras, identificação de infraestruturas críticas e delineamento de planos de evacuação por exemplo em situações de catástrofe. Se a análise das migrações tem sido uma das áreas em que tem tido mais aplicação, o campo dos incêndios florestais é outra vertente em que existe potencial: “pode por exemplo pedir-se ao sistema mapas que mostrem o estado das estradas para definir planos de evacuação, isto numa perspetiva de planeamento”, sublinha a responsável.

Formada em Engenharia Eletrotécnica e Telecomunicações, Teresa Ferreira recorda que quando entrou para o Instituto Superior Técnico, em 1997, eram apenas 17 raparigas num universo de mais de 200 caloiros. Na altura era um recorde e passado um ano já só restavam quatro ou cinco, lembra. O setor, e as engenharias no geral, ainda são muito dominadas por homens – sobretudo as lideranças, reconhece Teresa. Mas se a GMV tem ambições de ponta na tecnologia, a paridade também é uma preocupação e um dos motivos de orgulho é que têm procurado equilibrar os géneros nos quadros da empresa.

Active Space Technologies. O espaço em todas as vertentes

A Active Space Technologies tem sede em Coimbra e é mais um dos nomes incontornáveis no ecossistema espacial português. Os projetos cobrem todo um leque de aplicações, das missões mais institucionais da Agência Espacial Europeia ao chamado “New Space”, explica Marília Carvalho, responsável pela comunicação.

Trata-se da vertente mais comercial, com projetos mais curtos no tempo mas que dão experiência e valor acrescentado a um setor que já não vive apenas das corridas de fundo das grandes agências espaciais. A PME conta hoje com cerca de 50 colaboradores e foi fundada em 2004 por Ricardo Patrício e Bruno Ramos de Carvalho, que se conheceram num programa formação avançada na Agência Espacial Europeia.

Exportam mais de 95% da produção e encerraram 2017 com uma faturação superior a três milhões de euros. A especialidade? “Estruturas e mecanismos qualificados para ambientes agressivos extremos e sistemas de controlo estrutural e térmico para aplicações espaciais”.  Entre as diferentes missões em que estão a participar destaca-se a ExoMars 2020, onde estão a trabalhar no sistema de deslocação do rover e testam por exemplo o funcionamento de seis rodas. Já na missão Juice – cujo lançamento está previsto para 2022 e deverá chegar a Júpiter a 2029 com o propósito de observar este gigante gasoso e as suas três luas principais – estão a trabalhar numa antena crítica, pois será necessária para comunicar com a Terra.

Trabalham ainda no campo dos satélites de telecomunicações e observação terrestre e são um dos parceiros do projeto Infante, o primeiro satélite 100% português que deverá partir para o espaço dentro de dois anos. O satélite apresentado como um precursor dos micro satélites – que quem sabe, no futuro, poderão ser lançados de um porto espacial nos Açores – tem diferentes componentes em desenvolvimento e a Active Space Technologies é responsável pelo sistema de energia, o que inclui painéis solares, um mecanismo wireless de posicionamento destas estruturas e um sistema de controlo de potência. Área em que também trabalharam no satélite Sentinel-3B, do programa Copernicus, que deverá estar quase a seguir para a sua órbita. “Estamos muito entusiasmados com a estratégia e as notícias sobre uma possível agência espacial. Vai promover o país junto desta indústria”, diz Marília. 

Projetos emblemáticos

1993: primeiro satélite português

O PoSAT-1 entrou em órbita a 25 de setembro de 1993, depois de ser lançado a partir da Guiana Francesa. Deixou de comunicar com a Terra em 2006. Embora tenha sido um investimento português, foi construído na Universidade de Surrey, em Inglaterra. O consórcio que possibilitou o projeto e reunia empresas e universidades portuguesas foi liderado pelo eng.º Fernando Carvalho Rodrigues, com quem o i falou para esta edição. Há dois anos, Carvalho Rodrigues descrevia assim ao “Sol” o momento do lançamento: “O foguetão é composto por 80 metros de explosivos. Parece uma catedral a erguer-se.”

Infante: o novo megaprojeto nacional

Duas décadas depois, está a desenhar-se um novo capítulo para a história espacial portuguesa. No final de 2017 foi apresentado o projeto do primeiro satélite que deverá ser totalmente desenvolvido e construído em Portugal. Chama-se Infante e representa um investimento global de 9,2 milhões de euros nos próximos três anos. O consórcio é liderado pela empresa Tekever. O lançamento está agendado para 2020. 

Gaia: mapear as estrelas da Via Láctea

Portugal também tem dado cartas nas missões científicas na área espacial. Um dos projetos mais emblemáticos com participação lusa chama-se Gaia, é uma missão da Agência Espacial Europeia e tem como objetivo cartografar a nossa galáxia, definindo a localização de pelo menos 1% das estrelas e medindo parâmetros como a luminosidade. Uma equipa nacional, liderada por André Moitinho, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, trabalhou desde o início no processamento de dados. Mas houve várias empresas a contribuir para o observatório em órbita a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, como a GMV, a Lusospace e a Deimos Engenharia. 

Uma impressora 3D rumo ao espaço

No verão de 2017, a empresa portuguesa Beeverycreative revelou o protótipo de uma impressora 3D que está a desenvolver para a Agência Espacial Europeia no âmbito de um consórcio que junta também empresas alemãs. Trata-se de um equipamento com capacidade para funcionar em condições de microgravidade e poder ser assim utilizado no espaço, por exemplo para fazer circuitos eletrónicos. 

Um porto espacial nos Açores

De acordo com a Estratégia Nacional do Espaço, publicada esta semana em Diário da República, a visão do governo para o aproveitamento da posição geoestratégica dos Açores poderá contemplar um “porto espacial aberto a todos os atores e operadores internacionais” que ofereça serviços de satélites “ambientalmente sustentáveis e seguros”. Até ao final do ano, o governo pretende lançar um concurso público internacional de ideias para a instalação desta base. Há vários estudos a decorrer para estudar a viabilidade da localização. Um trabalho da Universidade de Austin, encomendado pelo governo, apontou a freguesia de Espírito Santo, na ilha de Santa Maria, como a melhor localização. O lançamento de satélites de pequenas dimensões seria a aposta. Para já, esta semana ganhou fôlego o Centro Internacional de Investigação do Atlântico (Air Center), uma colaboração internacional com epicentro nos Açores. O governo autorizou uma despesa de 5,2 milhões de euros com a instalação do projeto até 2023.