O regresso do PCP à luta

O PCP começa a aparecer, liderando greves, querendo demarcar-se do Governo. E, sobretudo,  ser diferente do PS.

Depois de andarmos todos felizes durante algum tempo com o défice de cerca de 1%, apesar de sabermos da existência de cativações diversas, eis senão quando vem a informação de que o Eurostat incluiu o reforço de capitais da CGD (3,9 mil milhões de euros) no défice deste ano, atirando-o para quase 3%. 

Não sendo para mim surpresa esta decisão, a verdade é que o semblante crispado de Centeno – reivindicando o caráter de investimento para esta injeção de capital e manifestando público desacordo com a decisão internacional – me fez refletir um pouco sobre a essência e propósito da quantia em causa: despesa ou investimento? 

Sendo indiscutível ser considerado como reforço de capital no banco público, tenho a opinião de que, existindo objetivamente escassez de capitais e debilidades nos rácios, havia que recompor o ‘equity’ da CGD, depauperado, essencialmente, por diversas imparidades. Reconheço, contudo, que esta injeção de capitais permitiu financeiramente auxiliar a reestruturar a CGD (por exemplo, custear rescisões ou reformas antecipadas). 

Tudo ponderado, incluindo a natureza de custos que estas reestruturações implicam na contabilidade, a decisão do Eurostat aparenta ser absolutamente legítima – e só temos de nos congratular por o défice ser de 3%.

Mas há outras realidades subjacentes a estas contas nacionais, a que dificilmente podemos ficar indiferentes: a carga fiscal atingiu 34,7% do PIB, a mais alta dos últimos 22 anos. Se isto não é austeridade, então o que é austeridade? 
Impostos serão sempre impostos, sejam diretos ou indiretos, e eles aí estão a financiar o Estado nas suas distribuições populistas. E a retirar poupança às famílias, também fascinadas pelo consumo e pelas nulas taxas de juro nos depósitos bancários (em Setembro de 2017, a taxa de poupança ficou em apenas 4,2%).

Curiosamente, as notícias boas deste défice de 0,9% (antes da CGD) trazem ao de cima a estranha ausência de comentários da esquerda radical (PCP e Bloco) sobre os valores atingidos. Tanto criticaram o Governo de Passos Coelho por ir ‘além da troika’ – e agora, apoiando um Governo que busca o ‘défice zero’ (beneficiando também do crescimento da economia), emudeceram. 

Aquelas frases de «há vida para além do défice» ou «abaixo a austeridade» onde se ouvem agora? Ouvem-se no CDS de Cristas, digo eu (perante a apatia do PSD de Rui Rio). Esquerda e direita trocaram de lugar? Até parece… Ou as circunstâncias é que mudaram?

No entanto, como 2019 está à porta e todas as sondagens apontam para a possibilidade de uma maioria absoluta de António Costa, o PCP começa a aparecer, liderando greves, querendo objetivamente demarcar-se do Governo. E, sobretudo, reclamar ser diferente do PS. 

O apoio do PCP ao Governo tirou-lhe muitos votos, como vimos, nas autárquicas de 2017. Donde há que começar a trazer para a rua as classes profissionais que dominam, sobretudo, a Função Pública. Os argumentos da luta são diversos, e todos capazes de mobilizar os sindicatos e os trabalhadores, seja pela devolução de promoções automáticas ou outros, sempre traduzidos em aumentos de salários. Ou seja, uma luta política, mas que não se fica por aí. 

Vimos também como o PCP se demarcou do Bloco na matéria das leis laborais, como quem diz: «Vocês são cada vez mais o CDS do Governo». O PCP quer começar (e sabe que tem de) a fazer um caminho autónomo para sobreviver, agregando as suas hostes em lutas; no fundo, a essência da sua existência. 

António Costa, sempre tão hábil politicamente, começa a enfrentar um descontentamento crescente numa esquerda combativa, uma esquerda que não hesita em ir para a rua e já viu os seus líderes sindicais desancarem ministros antes tão queridos pela sua permissibilidade, como o da Educação. 

Veremos as sondagens daqui a uns três meses, ao chegar ao Verão. Também porque Rui Rio já prometeu vir a fazer oposição ao Governo. Mas como irá fazê-la? Com a brandura anglo-saxónica que o caracteriza e se exprime em discursos bem construídos mas demasiado ineficazes pela ausência de ideias penetrantes na opinião pública?

P.S. 1 – A TAP teve esta semana mais de 35 voos cancelados. A confiança daqueles que, como eu, escolhem sempre a TAP para viajar, esmorece e pode encaminhar-se para outras companhias aéreas. E não ouvi quaisquer razões para esses cancelamentos, que minam a credibilidade e fiabilidade da ‘nossa’ empresa. Lutas sindicais de quem quer que a empresa volte a ser pública? Dores de um crescimento não sustentado em pessoal de voo? Algo já deveria ter sido dito oficialmente – ou as pessoas que precisam de viajar mudam de companhia. E, se forem bem atendidas, o regresso é sempre uma incógnita.

P.S. 2 – A frase de Fernando Rosas sobre a sexualidade de um dirigente do CDS foi de uma infelicidade extrema. Será Rosas homofóbico ou considera que há ‘privilégios’ que só a esquerda poderá ter?