No leilão da Cultura, Costa fez a licitação mais alta

O mais estranho em todo o processo foi a sucessão atabalhoada de declarações de responsáveis do Governo

A falta de financiamento para a Cultura é mais ou menos uma constante no nosso país desde, pelo menos, há uns 15 anos. Os agentes culturais vivem em constante aperto e não é raro vê-los em protestos ou ouvi-los a queixarem-se.
Foi estranho, por isso, que algo que nos habituámos a considerar um dado adquirido da nossa democracia ganhasse as proporções que ganhou, fazendo notícia de abertura de telejornais. Terá sido uma questão de má gestão de expectativas?
Creio que houve mais do que isso. Toda a forma como o governo lidou com a questão foi desastrada. Em primeiro lugar, criou uma burocracia complexa para as candidaturas aos apoios. Depois, o resultado dessas candidaturas deixou de fora muitas instituições com peso, prestígio e obra feita, que viram os magros recursos de antes reduzidos a zero. Como é possível, perguntaram-se, receberem mais financiamento durante o período da troika do que na vigência de um Governo de esquerda, supostamente amigo da cultura?

Mas o mais estranho em todo o processo foi a sucessão atabalhoada de declarações de responsáveis do Governo. Primeiro, foi o ministro da Cultura que deu uma entrevista onde prometeu um reforço do orçamento para a sua área. Depois o primeiro-ministro chamou a S. Bento o ministro e o secretário de Estado para uma reunião de emergência. Segue-se uma conferência de imprensa do SEC a dizer que o processo não está terminado e que portanto muitos daqueles que se queixam ainda podem vir a receber dinheiros públicos. E finalmente o primeiro-ministro surge como salvador da situação ao prometer novo reforço para o setor. O que dizer de tamanha descoordenação e destes sucessivos atropelos?

Claro que António Costa faz o papel de bom da fita, como o homem que defende ainda mais a Cultura do que o próprio ministro, dotando-a de um orçamento mais generoso. Ao fazê-lo, o primeiro-ministro desautorizou completamente a tutela. Mas é bom recordar que, se o ministro deve lealdade ao seu superior, também o primeiro-ministro deve lealdade para com o seu subordinado, tendo a obrigação de o proteger e de não o ultrapassar – pelo menos publicamente. O que deixa ainda outra pergunta: por que razão não foi o ministro a anunciar o reforço (e, já agora, depois de uma reflexão séria, e não no meio de todo o ruído mediático)?

Esta espécie de leilão da Cultura em que Costa fez a licitação mais alta pode vir ainda a colocar outro problema. Se é com protestos e com queixas na comunicação social que se obtém mais dinheiro, então a governação pode tornar-se insustentável. A Educação não merecia mais fundos? A Saúde não precisa de melhores condições? Os salários dos funcionários públicos não deviam crescer? Ou é só a Cultura que tem um estatuto de privilégio?