Quero tudo, e agora!

Os portugueses, de forma geral, não sabem gerir as suas necessidades de consumo. Muitos são os que não conseguem esperar por rendimentos futuros para consumir, recorrendo, de forma muito descontraída, ao crédito. Ontem, 16 de abril, o Jornal de Negócios trazia uma notícia de arrepiar: nos primeiros dois meses de 2018, e segundo dados do…

Os portugueses, de forma geral, não sabem gerir as suas necessidades de consumo. Muitos são os que não conseguem esperar por rendimentos futuros para consumir, recorrendo, de forma muito descontraída, ao crédito.

Ontem, 16 de abril, o Jornal de Negócios trazia uma notícia de arrepiar: nos primeiros dois meses de 2018, e segundo dados do Banco de Portugal, o crédito ao consumo aumentou 18% (!) em relação ao mesmo período do ano passado. Sempre segundo o mesmo periódico, o dinheiro emprestado para crédito ao consumo em Portugal, nos primeiros dois meses do ano, representa o valor mais elevado, para esse período, desde que o Banco de Portugal começou a divulgar estes dados, em 2012.

Como escrevi há poucas semanas, a indústria de conceder crédito é muito poderosa. Os residentes em Portugal são constantemente bombardeados com anúncios televisivos que equiparam a decisão de endividar-se a uma realização pessoal. A mensagem implícita é que há uma inferioridade intrínseca das pessoas que não recorrem ao crédito. Basicamente, é ver o mundo ao contrário.

Repetindo o que escrevi, em algumas situações o crédito é mesmo necessário para a generalidade das pessoas, como nos casos de comprar habitação ou um automóvel. Mas os portugueses não estão a pedir crédito só para isso, mas também para férias, telemóveis da última geração, descobertos bancários, etc. O que me suscita duas questões: se ensinamos às crianças, desde muito cedo, que não podem ter tudo, porque será que muitos adultos não interiorizaram esse princípio? E porque é que a frustração de não consumir é tão elevada para tantas pessoas?

Não quero ser moralista. É claro que nem toda a gente cede aos cantos de sereia da sociedade de consumo. Todavia, o número dos que cedem é suficientemente importante para que esses cantos sejam eficazes. E, por isso, estamos a caminho de termos mais um problema financeiro sério.

Se bem que a situação económica portuguesa, em termos de emprego, seja hoje melhor do que era há um ano, as remunerações não aumentaram 18% nesse período, como o crédito ao consumo aumentou. Não. Muitos portugueses, talvez mais confiantes no futuro, talvez querendo ter níveis de consumo que os seus rendimentos não permitem, ou ambos, continuam a endividar-se alegremente.

É evidente que este acelerado ritmo de aumento do crédito não pode continuar indefinidamente. Mas, devido ao elevado endividamento de Portugal – e não me venham dizer que a culpa é sobretudo do Estado, porque isso equivale a uma desresponsabilização coletiva – a situação está a tornar-se perigosa. Na inesquecível frase de Fernando Ulrich, pouco antes de Portugal ter sido forçado a assinar o acordo com a troika, “não falta muito até que nos espetemos contra a parede”.  Tomara que não. Mas é preciso moderação, urgentemente.