Metade das universidades públicas violam lei

Regras na contratação de professores são violadas há três anos. Serviços estão a recusar distribuir horários com receio de serem responsabilizados por ilegalidades. Casos estão na PGR.

Metade das universidades públicas violam lei

A preparação do próximo ano letivo está a gerar problemas em  mais de metade das universidades públicas devido à distribuição de serviço para os professores convidados, que são contratados a tempo parcial. Os diretores de serviços e conselhos científicos – a quem compete atribuir e aprovar os horários dos professores –  «estão a negar-se a fazer a distribuição do serviço» a estes docentes «com receio de poderem vir a ser responsabilizados por ilegalidades», avançou ao SOL o presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), Gonçalo Velho.

Isto, porque há, pelo menos, três anos que metade das universidades públicas (oito) e um politécnico (ver caixa ao lado) estão a violar a lei de «de forma sistemática» quando atribuem mais do que nove horas semanais de aulas (limite previsto na lei) aos convidados, diz ao SOL Gonçalo Velho. Prática que se reflete não só no aumento da carga de trabalho de «milhares» de professores mas também no salário: o valor  máximo deixou de ser pago aos que fazem nove horas, passando a receber tal montante os que vão além do horário previsto por lei. Ou seja, a referência para receber a totalidade do salário deixou de ser as nove horas.

Os casos já estão, desde outubro de 2017, nas mãos da Procuradoria Geral da República e da Inspeção Geral da Educação. Também a secretaria geral da Educação e Ciência emitiu um parecer a considerar como «materialmente ilegal» a prática das universidades e do politécnico estando em causa a «violação dos princípios da proporcionalidade e equidade», documento que o ministro da Ciência e do Ensino Superior, Manuel Heitor, enviou para a PGR. E o Provedor de Justiça também já fez recomendações para que fosse cumprida a lei. 

Ilegalidades persistem 

As instituições de ensino superior insistem, porém, em não cumprir o que está previsto nos Estatutos de Carreira Docente Universitária e Politécnica e preparam-se para continuar a violar a lei no próximo ano letivo. 

Por isso, ontem o SNESup apelou à «intervenção urgente» do ministro, através da ação da IGEC, para que se travem as irregularidades. Num ofício enviado ao ministro, a que o SOL teve acesso, o presidente do sindicato lembra que «se encontram a ser aprovadas as diversas distribuições de serviço que servirão de base às contratações de docentes convidados para o próximo ano letivo » sendo que continuam a ser aplicados os regulamentos internos ignorando a lei.

O SOL questionou o ministério da Ciência e do Ensino Superior sobre estes casos mas não teve resposta até à hora de fecho desta edição. Mas, em fevereiro, Manuel Heitor desvalorizou a situação. Em declarações ao Público o ministro classificou a situação como «pequeno problema» porque não tem «impacto em todo o ensino superior».O ministro  disse ainda àquele jornal que o assunto foi encaminhado à PGR, como era seu «dever», e caso fosse confirmada a ilegalidade seria «facilmente corrigível». 

De acordo com os últimos números da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), são cada vez mais os professores afetados por estas regras. Os dados oficiais mostram que entre 2010 e 2014 o número de professores convidados subiu em  15% (passou de 3944 para 4546). Em 2014, de um total de 14.570 docentes das universidades públicas, 4546 eram convidados. Nos politécnicos públicos, os contratados eram 3372 de um total de 9211 docentes.
Contactada pelo SOL, a PGR não disse se está em curso alguma investigação no seguimento das denúncias feitas.

O que diz a lei

Os horários dos professores estão definidos nos Estatutos da Carreira Docente Universitária e Politécnica. Estas leis estipulam que, para os docentes convidados (contratados a tempo parcial), um horário completo é composto por nove horas semanais de aulas a que se somam 26 horas de componente não letiva, onde está incluída a preparação de aulas, correção de exames e de trabalhos dos alunos e a investigação científica. O valor dos salários é proporcional ao número de horas da componente letiva. 

No entanto, de acordo com os documentos do SNESup enviados à PGR  há oito universidades e um politécnico onde é considerado como horário completo quando os docentes têm uma componente letiva (a dar aulas) durante 12 ou 18 horas semanais, ultrapassando o limite legal. Assim, um professor só vai receber a totalidade do salário quando tem as 12 horas, por exemplo, e com as nove horas por semana recebe 70% do salário.   

As universidades e os politécnicos gozam de autonomia administrativa para definirem regras próprias, através de regulamentos internos. E é nestes regulamentos que se aprovam os horários. No entanto, a secretaria-geral da Educação e Ciência frisa que «a autonomia normativa de que gozam» as instituições «não se sobrepõe ao princípio da legalidade».      
Por isso, a secretaria-geral, avisa que a contratação dos professores convidados deverá ter «sempre como referência os limites legais definidos para os docentes em tempo integral, sob pena de violação da lei», lê-se no parecer. Ou seja, no máximo um docente a tempo parcial deve ter um horário de nove horas semanais de aulas e, quando contratado a 70% deve ter 6,3 horas e não as nove horas como acontece nestas instituições. 

Esta tem sido uma das batalhas do SNESup durante os últimos anos que já levou o caso aos tribunais administrativos. 
Questionados pelo SOL, nem o Conselho de Reitores (CRUP) nem as universidades implicadas quiseram comentar o assunto.