O pecado mora ao lado…

Carlos César veio desmentir Arons de Carvalho e ‘partir a loiça’ no PS

Com um desplante digno de nota, Alberto Arons de Carvalho, um dos fundadores do PS – agora mandatário nacional da candidatura de António Costa a novo mandato na agremiação –, veio a terreiro tentar rebater, com santa inocência, a frontalidade inquieta de Ana Gomes, argumentando em relação a Sócrates: «Não acho que seja reprovável uma pessoa viver com dinheiro emprestado de outra». É um novo paradigma: viver ‘à tripa forra’ à custa de terceiros. 
Esta moldura conceptual de Arons sucede à que usou na ERC quando defendeu Sócrates com o mesmo fervor, enquanto membro da Entidade Reguladora, patrocinando a sua sanha contra os media não-alinhados. 

O desvelo de Arons pelos media ficou-lhe, aliás, do tempo em que exerceu funções de ‘ajudante’ de Jorge Coelho e de Guterres, cabendo-lhe gerir a ‘purga’ dos responsáveis, à época, pelos órgãos de comunicação detidos pelo Estado.
Onde Ana Gomes manifestou agora desconforto pela instrumentalização do PS, Arons veio dar cobertura, sem pingo de vergonha, à anomia que é um ex-primeiro-ministro exibir uma folga financeira não condizente com os seus rendimentos declarados, alegadamente, graças aos incansáveis préstimos de um ‘amigo’ sem livro de assentos.

Sucede que estas declarações, feitas ao jornal i, coincidiram no tempo com outra do ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que afirmou, preto no branco, que «o Governo pretende o controlo total dos dados do sistema judicial». 

A denúncia do procurador Rui Cardoso tem antecedentes. A apetência socialista pelo controlo da Justiça é, precisamente, o eixo do livro de João Palma, também ele procurador, lançado durante o último Congresso dos Magistrados do Ministério Público, na Madeira, e no qual enfatizava, a propósito dos governos de Sócrates, que «viviam-se tempos muito conturbados decorrentes da política de ostensiva hostilização e despudorada tentativa de manipulação das magistraturas e do poder judicial».

Por acaso, recentemente – e sem que se percebesse a oportunidade –, a ministra da Justiça veio preconizar a não recondução, em Outubro, da PGR, Joana Marques Vidal, que se tem distinguido pela sua ação determinada, provocando não poucos engulhos.

Arons, com falinhas mansas, quis entreabrir a porta à mordaça, ao preconizar que «quer o Manuel Pinho, quer o José Sócrates, não foram ainda condenados. Temos de esperar sem intervir e sem comentar». 

Quando parecia ser essa a mensagem do PS profundo, surgiu de rompante Carlos César, líder parlamentar e presidente do partido, a ‘partir a loiça’, contrariando o mandatário de Costa e dizendo-se «envergonhado» com as suspeitas de corrupção que incidem sobre Pinho e – pasme-se! – com a acusação que visa José Sócrates, sentindo que «a vergonha até é maior porque era primeiro-ministro».

Quebrado um pegajoso silêncio, a reviravolta de César deixou Arons a apanhar papeis…

Só é pena que não lhe tenha ocorrido convocar também Sócrates para depor em audição parlamentar, com o mesmo vigor que utilizou ao apontar o dedo a Pinho (não filiado no PS…), querendo saber «o que o antigo ministro (…) tem a dizer sobre todo este caso insólito». 

Arons e César são duas faces da mesma moeda socialista. O primeiro não vê mal nenhum em que um ex-primeiro-ministro viva folgadamente com ‘dinheiro emprestado’, oferecendo-lhe aconchego de alma. O segundo respirou fundo, inchou e arremeteu contra Pinho. 

Subitamente, num rebate, multiplicaram-se os ‘envergonhados’. E embora cautelosos em mencionar Sócrates, já admitem, como César, que o assunto tenha sido tratado internamente, a ponto de ficarem até «enraivecidos com isto», em especial com «pessoas que se aproveitam dos partidos políticos». Tocante. 

Costuma dizer-se que ‘mais vale tarde que nunca’. Mas o certo é que foi necessário Ana Gomes agitar as águas turvas para alguns dos seus pares saírem da zona de conforto.

Com uma variante: o arreganho dirigido a Pinho esmorece quando se trata de Sócrates. Não se confundem.

Sobram, depois, os atores secundários, corados de indignação desde que a SIC emitiu um trabalho sobre a Operação Marquês assinado por jornalistas rodados, que incluía alguns vídeos dos interrogatórios judiciais, designadamente, de Sócrates.

Embora a opção editorial se coloque numa linha de fronteira em termos deontológicos, a realidade é que o interesse público, tantas vezes invocado em casos menores, é um argumento de peso. 

Ao assistir-se ao desfile de tantas ‘virgens’ ofendidas com a SIC e a CMTV, fica-se com a impressão de que o ‘filme’ se destina a prevenir danos reputacionais, à beira do Congresso de entronização de Costa, apostado em segurar o seu futuro.

Para o PS, afinal, o pecado mora ao lado…