O crime de ter 70 anos

O Estado quer que as pessoas se reformem o mais tarde possível mas obriga-as a ir para casa quando fazem 70 anos…

Se os sucessivos Governos dos últimos 20 anos pudessem e tivessem tido coragem política, há muito que a idade da reforma já teria mudado – para mais tarde como é óbvio. Com a esperança de vida a aumentar ano após ano e com a população a reduzir todos os anos drasticamente,  só há uma hipótese: fazer com que as pessoas trabalhem mais tempo e descontem para haver dinheiro na segurança social que lhes pague a reforma. Há outro caminho, mas não está a ser bem acolhido: abrir a porta a estrangeiros que venham para cá trabalhar e façam os tais descontos para pagar aos reformados. Para que não fiquem dúvidas, é óbvio que defendo que as pessoas deviam poder reformar-se aos 65 anos ou até menos, desde que tivessem os tais 40 anos de descontos. O problema é que não há dinheiro para pagar ao cada vez maior contingente de reformados.

Mas vejamos os números: em 1960 havia 63290 pensionistas da segurança social; em 2016 havia quase três milhões, 2994711 mais precisamente. Reformados, aposentados e pensionistas da Caixa Geral de Aposentações contabilizavam-se 63290 casos, já em 2016 o número era de 642630.

Para se ter um quadro mais completo do envelhecimento da população, diga-se que em 1981 existiam 1132638 pessoas com 65 anos ou mais. Já em 2016 esse número tinha subido para 2158732.

Perante estes dados, e apesar da idade da reforma ter vindo a aumentar timidamente, atendendo à realidade nacional, seria desejável que não se mandasse para casa quem quer continuar a trabalhar e se mantém na posse de todas as suas capacidades. Como é óbvio não se vai pedir a um polícia para andar a patrulhar as ruas com 60 anos. Mas há profissões em que as pessoas por terem atingido os 70 anos são automaticamente impedidas de continuarem a desempenhar as suas funções, quando o podiam continuar a fazer. Veja-se o caso, por exemplo, de Francisco George, ex-diretor geral de Saúde, que teve que fechar as malas e partir para outras paragens por ter sido apanhado pelo radar do ‘excesso de idade’. Não faltam exemplos desta situação caricata: as pessoas querem trabalhar mas estão impedidas de o fazer por causa dos 70 anos.

Dando outro exemplo, o famoso cirurgião António Gentil Martins foi obrigado a reformar-se do setor público e aos oitentas e muitos continuava a operar e bem no privado. E o que dizer de professores universitários? Se é certo que é preciso fazer a renovação de gerações, há muitos casos que os mais novos só têm a ganhar com a experiência dos seniores.
Mas se eu pensava que esta história dos 70 anos só acontecia no setor público, com o ‘despedimento’ de Henrique Garcia percebi que também o privado pode usar a mesma medida. Garcia deu uma entrevista ao jornal i deste fim de semana que muito me impressionou: «Aos 70 anos posso candidatar-me à Presidência da República, mas não posso continuar a dar notícias»; ou «este país não é para velhos e não é para os novos», disse. 

Tudo porque a administração da TVI segue a regra, em Espanha e no resto dos países onde estão implementados, de que ninguém com mais de 70 anos pode continuar a trabalhar.  É um direito que lhes assiste, mas parece-me um pouco desfasado dos tempos que vivemos.

Quanto ao Estado, não seria de se rever esta fatwa para o setor público?