Por que sou a favor da eutanásia

Eu, por mim, digo já que qualquer meu amigo que, na infelicidade de eu ficar amarrado a uma cama sem me mexer, sem falar e sem saber onde estou, não desligar as máquinas ou não me der um comprimido para morrer não é meu amigo. As pessoas têm direito a morrer com dignidade 

Ponto prévio: sou a favor da legalização da eutanásia, mas também sou totalmente a favor da vida. E para explicar melhor esta posição vou falar de três casos que, obviamente, muito me tocam e tocaram, seguramente como nada me tocou até hoje (e poderia falar de quatro, se incluísse o da minha querida irmã, mas este foi demasiado complexo). Quando à minha Mãe lhe diagnosticaram dois cancros fiquei perdido. A pessoa que mais amei na vida e que adorava viver, apesar das dificuldades físicas que sempre teve, estava condenada a morrer num curto espaço de tempo, já que depois da operação que fez a um dos pulmões, a esperança de vida que os médicos lhe deram não ultrapassaria uns meros meses.

Acresce que ela só soube da ‘doença’ depois de operada pois sempre lhe escondi a má notícia. Quando começou a fazer fisioterapia, um dia mostrou-me um recorte de uma revista que dizia que a homeopatia fazia muito bem a quem tinha sido operado a um cancro. Fiquei sem saber o que dizer, pois nesse momento percebi que a minha mentira tinha acabado. Seguiram-se sete anos de luta, em que a homeopata Sasha, os médicos, com especial dedicação e carinho da minha amiga Ana Serrano, e do médico Fernando Martelo – seria injusto não falar em Alexandre Afanasiev – lhe proporcionaram o que nós julgávamos que seria impensável. Claro que a fé dela também lhe permitiu viver esses sete longos e belos anos com alguma qualidade de vida.

Sempre que íamos a uma consulta no hospital dos Capuchos, ela pedia-me para comprar e acender uma vela para o santo dela: o dr. Sousa Martins, que tem uma merecida estátua no Campo Mártires da Pátria. Fui ao fim do mundo por ela até aos seus dois últimos dias de vida, quando já não parava de sofrer e não havia morfina que a aliviasse. Nesses dois dias, comprei e acendi velas a apelar a uma força que desconheço, a do Dr. Sousa Martins, que a curasse ou a ‘levasse’ pois aquele sofrimento não era justo.

Felizmente, o sofrimento dela acabou às 23 horas – curiosamente a hora a que nasci – do dia 16 de abril de 2015.
O meu Pai debate-se com um cancro no esófago já há algum tempo e os médicos, a minha irmã Assunção, muito em particular, além dos outros filhos, sobrinha e netos, tudo têm feito para que continue a viver, apesar das suas limitações, que são muitas. Enquanto ele quiser e puder viver, seguramente que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance.

A minha querida tia Ilda, que tem 96 anos, apesar das quedas e dos AVC, continua a querer viver como se fosse o primeiro dia da vida dela. A minha prima e os médicos assim o têm permitido e continuarão a fazê-lo e eu ajudarei no que puder. Sou, pois, totalmente a favor da vida e de que as pessoas que querem viver o devem fazer com a ajuda de todos: médicos, família, amigos e cuidadores.

No campo oposto, defendo que quem não quer viver amarrado a uma cama para o resto da vida, que não fala, não se mexe, deve ter o direito à eutanásia se for esse o seu desejo. Eu, por mim, digo já que qualquer meu amigo que, na infelicidade de eu ficar amarrado a uma cama sem me mexer, sem falar e sem saber onde estou, não desligar as máquinas ou não me der um comprimido para morrer não é meu amigo. As pessoas têm direito a morrer com dignidade – quem viu o filme Million Dollar Baby percebe perfeitamente o que escrevo.

P. S. – Dizem as wikipédias da vida que o Dr. Sousa Martins se suicidou com uma injeção de morfina…

vitor.rainho@sol.pt