O fim do amor com o Zé Luís

Quem acredita no amor à primeira vista – ou paixão à primeira vista ou, eventualmente mais correto, atração sexual à primeira vista – tende a acreditar que também é possível identificar a última vista, a última vez que o amor entre duas pessoas foi avistado.

E a Vanessa prossegue a sua enorme maluqueira. Está a escrever o livro sobre os homens da sua vida, mais propriamente sobre o momento em que descobriu que o amor que teve por cada um deles tinha acabado. 

Quem acredita no amor à primeira vista – ou paixão à primeira vista ou, eventualmente mais correto, atração sexual à primeira vista – tende a acreditar que também é possível identificar a última vista, a última vez que o amor entre duas pessoas foi avistado. Há um “on” e um “off” e nenhum dos dois momentos é muito racional. No caso da Vanessa, não me lembro mesmo de ela algum dia ter tomado alguma decisão racional neste capítulo, mas também não há muita gente que possa qualificar-se para o campeonato da racionalidade no amor. Os meus parabéns sinceros aos restantes. 

E com o Zé Luís foi assim: depois de seis meses de euforia, que aconteceram lá no início dos anos 90 do século passado, a Vanessa achou, subitamente, que não conseguia avistar uma réstia do amor que sentia, ou achava que sentia (sabe-se lá o que é que se sente) pelo Zé Luís. 

A Vanessa teve um estremeção. Estão a ver quando está tudo bem e subitamente começamos a sentir qualquer coisa tipo um espasmo no nervo ótico, uma vertigem? Foi um espasmo, uma data de tonturas, uma dor a atravessar o corpo, uma sensação de desconforto horrível. Foi tudo isso que a Vanessa sentiu no momento em que percebeu que o Zé Luís, por quem se tinha apaixonado de repente, no Terreiro do Paço, numa cena surreal à primeira vista, se tinha tornado uma enorme seca. 

Foi isto que eu li porque ela me obrigou a ler. Como qualquer pessoa que escreve – ou fortuitamente está a escrever, o que é mais o caso – a Vanessa precisa de validação exterior. Bem, toda a gente precisa de validação externa. 

E então seguem aspas:

«Eu estava no Terreiro do Paço quando vi o Zé Luís pela primeira vez. Foi uma coisa instantânea. Percebi logo que as coisas iriam correr mal. Ou seja, primeiro haveriam de correr bem – era inevitável que nos apaixonássemos – para depois correrem mal, porque aquilo iria durar menos de um fósforo. E de alguma maneira assim foi. Uma paixão à primeira vista. No dia seguinte, quando acordei, tinha 15 anos. Juro. Toda a gente sabes que os cremes anti-rugas não servem para nada. Só a euforia amorosa tem alguma possibilidade de rejuvenescer a pele. Naqueles meses lembro-me de viver em estado de borracheira contínua. O Zé Luís era a melhor coisa que me tinha acontecido. Mas, num determinado dia, lembro-me que chovia. Ele estava a falar sobre não sei o quê – acho que era sobre a primeira guerra do Iraque – e eu comecei a sentir que estava a levar uma grande seca. Primeiro, pensei que era da posição em que estava sentada. Mas depois comecei a sentir uma dor pelo corpo todo, umas tonturas, um espasmo no olho. Era uma seca, estavam lá todos os sintomas todos. Apetecia-me fugir dali para fora. Como é que podia estar aquele enfado ao ouvir falar o homem que eu amava, ou tinha amado? Fiquei surpresa e triste. 

Não sabia o que dizer. Depois tive um ataque de ansiedade. O stress disparou. O meu organismo estava a preparar-se para o ataque que é o desaparecimento súbito do amor, o momento em que deixamos de o avistar. É um choque e não é só para a vítima – acho que o Zé Luís ainda gostava de mim. Mas eu não gostava de mim assim, a sentir aquela seca descomunal ao olhar para o meu namorado. Comecei a sentir-me culpabilizada. Tive uma sensação de vómito. Confirmava-se: o homem que estava naquele preciso momento a transformar-se no meu ex-amor agora enjoava-me. Como é que ia agora resolver isto? Deveria acabar tudo, mas a minha vontade era fugir sem dizer nada».