Marcelo, O Desejado

Marcelo não resiste às filas para uma selfie, um beijinho ou um abraço. Mas resistirá mais oito anos nisto?

Na reta final da legislatura, começam a proliferar os cenários sobre as soluções de governo pós-2019.

De um Executivo alicerçado numa maioria absoluta do PS à renovação da ‘geringonça’ (com acordos de incidência parlamentar ou passando agora por um acordo de Governo) entre PS, BE e PCP; ou numa maioria, como Costa até já admitiu uma vez no Parlamento, de socialistas e bloquistas; ou ainda num entendimento entre PS e PSD (de Rui Rio), sendo que o cenário de um acordo de Governo entre PS e CDS deixou de fazer parte da equação com a nova liderança social-democrata e a afirmação do CDS como partido representante das alas liberal e neoliberal marginalizadas por Rio.
As inevitáveis fissuras na ‘geringonça’ à medida que as eleições se aproximam e o regresso dos sindicatos às ruas – porque o primeiro-ministro já disse que não há dinheiro e o presidente do Eurogrupo, ministro das Finanças de Portugal, também já deixou «o aviso» de que não há margem para complacências nem para diminuir os esforços de contenção, leia-se austeridade – dão força ao cenário de um acordo entre Costa e Rio, mesmo que, tanto no PS como no PSD, quase ninguém acredite na possibilidade de reedição de um bloco central e muito poucos defendam um acordo de incidência parlamentar entre os dois maiores partidos (embora também não falte quem neles veja a única boia de salvação para Rio continuar na liderança do partido e para Costa fugir às grilhetas do BE).

É, aliás, sintomática a análise de Luís Marques Mendes, segundo a qual os alinhamentos parlamentares pós-2019 dependerão das ambições políticas futuras de António Costa e nomeadamente de querer ou não ser candidato à Presidência da República em… 2026.

Para Mendes, se Costa quiser suceder a Marcelo, e não tiver maioria absoluta em 2019, não poderá virar as costas ao eleitorado de esquerda e terá de entender-se de novo com BE e PCP; mas, se não tiver Belém no seu horizonte próximo, então entender-se-á com Rui Rio.

Acontece que as presidenciais de 2026 são daqui a oito (8) anos!!! É muito tempo.

Ora, sendo Marques Mendes amigo muito próximo de Marcelo Rebelo de Sousa, esta sua análise – sobre os cenários que se colocam a Costa – encobre a notícia que parece ser dada como certa pela generalidade dos portugueses e que a tradição da nossa democracia reforça: Marcelo tenciona mesmo candidatar-se a um segundo mandato em Belém.
Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva foram todos facilmente reeleitos para um segundo mandato, sendo que o recorde de votação, com mais de 70% dos votos, cabe a Soares, em 1991, beneficiando do apoio expresso do PS e tácito do PSD e tendo como adversários Basílio Horta (CDS), Carlos Carvalhas (PCP) e Carlos Marques (UDP) – e, por isso, tanto as circunstâncias como o resultado são dificilmente reeditáveis.
Mas se Marcelo dificilmente entrará na história por lograr melhor votação do que Soares, por todas as razões e mais uma – trata-se do político português com os maiores índices de popularidade –, só muito dificilmente deixará de ser candidato a um segundo mandato.

Acontece que Marcelo Rebelo de Sousa, na campanha eleitoral, comprometeu-se apenas com um mandato. E também já se comprometeu com uma não recandidatura caso o Estado volte a falhar no auxílio às populações como falhou em 2017 nos trágicos incêndios de junho e outubro.

Sendo expectável que o Estado não falhará – não pode voltar a falhar –, a verdade é que, na mesma entrevista em que fixou essa condição sine qua non, Marcelo também disse que haveria outros fatores de ponderação para a recandidatura.
E um deles será, com certeza, a sua forma física e anímica e a capacidade para enfrentar um novo mandato de mais cinco anos, que terminará quando Marcelo já tiver feito 77 anos, o último de validade das velhas aventuras de Tintim.

Ora, se Marcelo nunca se comprometeu com uma recandidatura, virar as costas ao povo nunca lhe seria fácil. 
Porque, como disse D. Duarte (na última edição do SOL), nunca como com Marcelo Portugal teve um Presidente da República que se comporta como um rei.

Marcelo assumiu o cargo como se se tratasse do rei do povo, que se mistura com o povo, mas marcando bem a diferença de quem não é do povo. Ele é que é o Presidente da República. E o Presidente da República é o Presidente de todos os portugueses, que está ao lado de todos os portugueses, que gosta de estar no meio de todos os portugueses, adorado e amado pelos portugueses, mas ele é o Presidente.

Marcelo precisa de sentir o carinho do povo, de estar no centro das atenções, de fazer o bem ao próximo para se satisfazer a ele próprio enquanto benfeitor, generoso e altruísta, mesmo que, no fundo, no fundo, mais do que a satisfação de outrem, o que verdadeiramente persegue é a sua própria satisfação por ter satisfeito outrem.

Marcelo é, nisso, extraordinário. Incansável. Como é possível, aos 70 anos, aguentar de pé horas de cerimónias civis e militares comemorativas do Dia de Portugal nos Açores, abalar para os Estados Unidos e seguir carregada agenda entre abraços e beijos à esquerda e à direita, noite fora, discursar na rua, no Parlamento estadual, mais aqui e ali, regressar a Portugal e subir a Avenida para ver as marchas populares a descerem-na, e vai mais uns beijinhos e mais abraços, e no dia seguinte posar ao sol no Parque Eduardo VII até despachar a fila para as célebres selfies presidenciais. E a agenda não pára.

Marcelo leva pouco mais de dois anos de Presidência. Intensa. Muito intensa. E que deixa marcas. Marcelo está muito mais velho – basta olhar para as fotografias da campanha e para as de agora.
Mas Marcelo sente-se bem é assim, no meio do povo, adorado pelo povo.

Marcelo não será ele mesmo se não puder fazer o que faz. Sendo certo que é isso que lhe dá força, como os mergulhos no mar em pleno inverno, as graças como a da bomba a rebentar no dia da reunião com o Governo e os autarcas das áreas metropolitanas, ou a incapacidade dos seus assessores e adjuntos de o acompanharem. Dá-lhe gozo, dá-lhe força. Como as selfies, como os abraços e beijinhos.
Mas isso desgasta. E não só fisicamente.
Por isso, o mais certo é Marcelo levar mesmo até ao fim o tabu sobre a sua recandidatura.
Não vale a pena fazer muitos cenários. Marcelo já os fez. No final, não deixará de ponderar, sobretudo, como quer ficar para a História. Ele, o desejado da República. Pelo menos, até ver.