‘Somos resultado das opções dos nossos antepassados’

Castelo de São Jorge. Ideia de Pedro Laginha este lugar com vista sobre Lisboa para uma conversa que há de ir dar a castelos, a reis, a histórias de cercos e de batalhas. À História, em geral, paixão do ator (e músico, em Mundo Cão, que se preparam para lançar um novo disco) que vinha…

Castelo de São Jorge. Ideia de Pedro Laginha este lugar com vista sobre Lisboa para uma conversa que há de ir dar a castelos, a reis, a histórias de cercos e de batalhas. À História, em geral, paixão do ator (e músico, em Mundo Cão, que se preparam para lançar um novo disco) que vinha já desde antes de ter defendido D. Pedro, em Pedro e Inês (2005). Ideias para o futuro parecem passar sobretudo por regressos ao passado, e em todas as possibilidades que vê aí para a ficção nacional. «Parece que há uma certa vergonha de falar da nossa História. Realmente não entendo essa vergonha em relação ao que somos. Somos resultado de opções que os nossos antepassados fizeram durante séculos.» Mas vamos por ordem. Que é como quem diz, comecemos pelo presente. Do presente até lá, ao tempo deste lugar em que o encontrámos numa tarde de julho ainda, a horas da estreia de Linhas de Sangue, que continua nas salas com Pedro Laginha como Arquimedes, Motoqueiro do Apocalipse.

 

O teu mais recente personagem é um dos quatro Motoqueiros do Apocalipse de Linhas de Sangue, de Manuel Pureza e Sérgio Graciano, um filme que teve uma grande divulgação e que conta com um grande elenco. Como foi essa experiência?

Este filme parte de uma curta-metragem que fizeram há uns oito anos e que ficou tão bem que ficaram com a ideia de fazer uma longa. O Manuel ligou-me a convidar-me, enviou-me o guião e eu gostei muito, porque é absolutamente nonsense. É divertido e dá para fazer personagens todos eles muito… cromos. São cromos, personagens que vemos ao longo da história toda da ficção. Os bons, os maus, os superheróis, os nerds, estão lá todos representados. É essencialmente um filme para as pessoas se divertirem a ver. É um disparate pegado e isso para nós foi muito motivante porque sentimos que estávamos a fazer uma coisa completamente diferente do que se fez até agora. Tanto o Manuel como o Sérgio são pessoas muito criativas, que conseguem imprimir uma onda muito boa no plateau. Sentimo-nos todos muito motivados, muito inspirados. 

Sentes que é possível ir produzindo trabalho de qualidade à margem dos apoios do Estado?

Este filme não teve apoio do ICA, foi tudo investimento privado, que o Manuel e o Sérgio recolheram daqui e dali até conseguirem juntar a verba de que precisavam. Penso que é tudo uma questão de iniciativa e de audácia. Mas deveríamos regressar à Lei do Mecenato que na altura do Cavaco foi à vida. Aí se calhar iríamos tirar ao Estado a total responsabilidade dos apoios à Cultura e íamos conseguir apoios de outros lados. 

 

Preparas-te também para substituir agora o Jorge Mourato em O Deus da Carnificina, que estreou no Trindade com encenação de Diogo Infante, e que será agora apresentado por vários pontos do país. 

O Deus da Carnificina é um espetáculo diferente. É visto como um espetáculo comercial, alta comédia, com o Diogo Infante, a Rita Salema, a Patrícia Tavares, e com o Jorge Mourato que agora vou substituir. É um espetáculo mais fácil de vender. Vamos fazer duas apresentações em Matosinhos, uma em Braga, outra no Barreiro, etc. Acho que devia haver uma itinerância quase obrigatória, principalmente para as companhias que recebem subsídios do Estado. Se calhar o subsídio teria de ser um bocadinho maior para isso poder acontecer, mas não faz sentido estarmos a centralizar tudo em Lisboa e no Porto quando todo o país está sedento de cultura e precisa dela.

 

Como te relacionas com este texto, que já foi até adaptado ao cinema, por Roman Polanski?

Vi o espetáculo três vezes no Trindade para ficar já com a noção da energia e dos ritmos deles. Agora vem a parte difícil que é pegar no texto e trabalhá-lo segundo as diretrizes que o Diogo me deu, baseado também no trabalho do Jorge. 

 

Isso torna tudo um pouco mais complicado, não?

Um bocadinho porque não passas pelo processo de criação que se faz nos ensaios. Normalmente temos dois meses de ensaios para uma peça de teatro e durante esses dois meses aprofundamos o personagem ao máximo, portanto quando estreamos já conhecemos pelo menos 80% do personagem. E eu não vou ter esse processo, vou ter um personagem já criado ao qual vou ter que dar a minha energia.

 

Podes explicar melhor o que queres dizer com isso de, antes da estreia, conheceres 80% do personagem?

Os ensaios servem para criarmos o esqueleto do personagem. Darmos-lhe músculos para se poder mexer, percebermos um bocado como pensa, como sente. Mas aquele processo final de podermos dizer que conhecemos realmente o personagem precisa do espetáculo, do público. 

 

De uma confrontação qualquer com o outro.

Sim, do confronto com o público. De de repente percebermos onde é que as pessoas reagem, o que sentem. É um contributo que não podemos desprezar nunca, porque completmenta e ajuda-nos a entender melhor o personagem. Só aí é que conseguimos determiná-lo.

 

Como connosco. Em parte, conhecemo-nos também através do olhar dos outros sobre nós.

Exatamente. O trabalho de ator é isso também, ou deveria ser. Lembro-me de um espetáculo que fiz no Villaret com o António Feio em que havia uma gargalhada que era o que caraterizava o meu personagem. Andei dois meses a experimentar gargalhadas. E não era, não resultava… Dois dias antes da estreia, experimentei uma gargalhada nova e era aquela. A partir daí, o personagem veio todo. Dessa gargalhada. 

 

Qual é o teu processo habitualmente?

Primeiro vem o texto, o confronto com o texto. O Arquimedes do Linhas de Sangue era muito limitado ao nível da trama, tinha um objetivo muito específico, uma função: vai fazer uma negociata que corre mal, vai buscar armas e a coisa corre muito mal mesmo. E pronto. Noutro tipo de personagem, aquilo que intuo, que tiro de uma primeira leitura, muitas vezes é a melhor impressão. Depois começo a desenvolver, a dividir os momentos de mudança de sentir do personagem ao longo do texto, a tentar perceber o que é que motiva essa mudança. E aí vou ter que lhe criar um passado. Não sei se foi o Robert de Niro ou o Al Pacino que disse uma coisa muito engraçada quando lhe perguntaram quando é que sabia que tinha o personagem pronto: «Quando saio de casa, vou a um restaurante e peço um prato como se fosse o personagem.» Isto já diz muita coisa. O tipo de restaurante que escolhe já tem a ver com o dinheiro que pode pagar pela refeição, e aí já vamos a onde é que ele cresceu, às referências que tem a vários níveis. É um exemplo quase ridículo, mas resume tudo.

 

E é isso que procuras?

Claro. Tento criar uma linha de continuidade. E claro que os personagens têm contradições mas, se não são malucos, se não têm um desequilíbrio, todas as ações têm justificações. Tudo o que fazemos é uma reação a algo. O que faço é procurar essa argumentação e aí, sim, aí sinto que domino o personagem. 

 

E depois há as novelas. 

Ah, sim. A novela é sempre um trabalho de ginástica muito grande para quem leva aquilo a sério. Muitas vezes começamos a fazer um arco, mas temos que deixar sempre em aberto vários tipos de finais, porque nunca sabemos para onde nos querem mandar.

 

Por vezes nem os autores, na verdade.

Nem eles, muitas vezes. Porque as coisas começam de uma maneira mas depois fazem-se rastreios de opinião dos espectadores que afinal gostam mais de certo tipo de personagem, e esses personagens começam a crescer e outros começam a desaparecer porque as pessoas não gostam muito deles. Às vezes é um bocadinho ingrato para nós e é preciso estarmos sempre muito atento às contradições, que em novela acontecem muito. No episódio 40 estás a defender uma coisa veementemente e 100 episódios depois estás a defender o contrário sem que se tenha passado nada que te fizesse mudar de opinião. Sou daqueles gajos chatos que estão sempre «espera aí, eu no episódio 40 disse isto, não posso estar agora a dizer isto». Aí é preciso um trabalho nosso, atores, de estarmos atentos. Tem que ser, não é só aparecer.

 

Mas o panorama da ficção televisivo tem-se alterado nos últimos anos, com toda a aposta que vem sendo feita na produção de séries. Até ao final deste ano estreiam duas em que participas: Teorias da Conspiração, também do Manuel Pureza, e Circo Paraíso, da Patrícia Müller, com realização de Tiago Alvarez Marques. Sentes que isso mudou muita coisa para os atores?

As séries estão a ser realmente uma lufada de ar fresco na televisão. Já não temos um ritmo de 26 cenas por dia, como numa novela, vamos para as dez, 11 cenas por dia. Tens os episódios todos desde o início, sabes o que vai acontecer, qual é o arco que tens que fazer. E é também uma coisa já mais à cinema. Trabalhamos com uma, duas câmaras, no máximo. Já é pensado quase plano a plano, e isso é muito mais interessante, porque em novela não temos muitas vezes noção do que é que a câmara está a apanhar. Estás em ação, estás em vida, pronto. 

 

E não podemos esquecer que estamos num país em que se faz tão pouco cinema que, teatro à parte, as oportunidades para os atores fora das novelas eram até aqui muito escassas.

Há sempre aquela coisa de quem chega querer fazer tudo de novo e o que estava não interessa. Espero que não seja isso que vai acontecer com as séries [com a mudança de direção da RTP]. De repente, temos atores que não cabem nas novelas e estão a ter a sua oportunidade nas séries, está a ser muito interessante. Há muita gente a trabalhar espalhada pelos vários meios. A vida de ator não é uma coisa muito fácil. Ganhamos quando trabalhamos. Se não trabalhamos, não ganhamos, basicamente. Portanto, temos que nos desdobrar. Fazer dobragens, locuções, teatro, cinema, televisão, o que aparecer. 

No meio disso tudo, onde é que te sentes mais realizado? Onde fica o teatro, por onde começaste?

Gosto muito de representar, qualquer que seja o meio. Claro que o teatro é muito especial, o cinema é muito especial. Em televisão, gosto mais de fazer séries porque é um processo que consigo controlar melhor do que nas novelas. Mas também é importante fazer, acho que é bom os atores fazerem novelas. Dá-nos traquejo de representação e uma coisa que é fundamental para nós que é sermos reconhecidos. Ganharmos peso, termos um nível de popularidade que leve as pessoas a requisitarem-nos para outros trabalhos. Se as pessoas não te veem, não existes. Tem que haver uma boa gestão aí. E a malta tem que se safar de alguma forma. Não há apoios do Estado para nós, não há nada. Nem subsídio de desemprego porque somos intermitentes.

 

Mas o teatro teve um peso grande no início da tua carreira. Que importância teve a fase em que passaste pelos Satyros?

Fiz teatro amador muitos anos, depois estive no Teatro Ibérico, e depois, sim, estive nos Satyros quatro anos e meio e foi fundamental. Fiz textos que nunca faria, como A Filosofia na Alcova, do Marquês de Sade. 

 

Um espetáculo que na altura levaram a Avignon e a outros festivais internacionais.

Sim, estivemos em Avignon, em Edimburgo, em Londres, em Kiev, em Curitiba e no Rio de Janeiro, no Brasil, foi super importante. Vi um espetáculo dos La Fura dels Baus há uns bons anos no CCB, mas fora isso nunca mais vi A Filosofia na Alcova em teatro. É um daqueles textos proscritos.

 

Mas que pelos vistos suscitam interesse. Não é estranho isso?

Pois. Podemos fazer muitas leituras disso. Muitas vezes por medo de chocar, por medo de ir contra o que a maioria pensa, acabamos por nos castrar e não fazer coisas que se calhar nos apresentam outros ângulos. Não que esse texto tenha uma leitura moral e ética muito boa, que não tem. Há uma apologia do Sade contra instituições como Deus, a família, o amor. Mas é bom vermos esses outros lados também, é bom termos essas referências, e era um espetáculo muito bem conseguido, a vários níveis. Mas isto acontece em muita coisa. Por exemplo, de há dois anos para cá ando metido na recriação histórica e parece que há uma certa vergonha de falar da nossa História. Porque é que é tão raro aparecerem séries e filmes sobre momentos da nossa História? Não há. E a nossa dava para fazer cinco Game of Thrones.

 

Achas que não sabemos bem como olhar para ela? Que temos medo?

Não sabemos como olhar para ela. Se a glorificamos, é porque somos fascistas. Se formos pelo outro lado, não estamos a dignificá-la. Não tem nada a ver com isso. Porque é que não falamos de como as coisas se passaram? Que houve muita coisa má, mas também houve muita coisa boa? Não entendo essa vergonha em relação ao que somos, porque a nossa História é o que somos. Somos resultado de opções que os nossos antepassados fizeram durante séculos, porque somos um país já quase com nove séculos de existência. Os americanos não têm pudor nenhum em pôr a bandeira em todo o lado, em falar de pequenos momentos da sua História e não se sentem fascistas por causa disso. Porque é que nós sentimos? Porque é que temos vergonha da nossa língua, das nossas tradições? Atenção, que quando falo em tradições não falo em touradas. Sou contra.

 

Pelo trauma com a Direita que vem do Estado Novo, ainda?

Os alemães tiveram os nazis, tiveram a extrema-direita sempre presente e agora na Alemanha os movimentos nacionalistas estão a ter muita força, assustadoramente. Cá não. Não é uma possibilidade. Somos um povo muito tolerante e sossegado. Mas sempre fomos. Os povos que viviam nesta zona da Europa sempre foram assim. Vinham os invasores e misturavam-se. Júlio César falava dos povos que viviam aqui com uma frase muito engraçada que era «não se governam nem se deixam governar». 

 

Sobre os lusitanos de Viriato: esse povo dos «confins da Ibéria», que «não se governa nem se deixa governar», não era?

Exatamente. E sempre fomos assim. Nos Descobrimentos foi feita muita porcaria, mas somos capazes de ser dos únicos países que tiveram colónias com boas relações com as ex-colónias. Os espanhóis não têm isso, os ingleses e os franceses também não. 

 

Esse interesse pelo passado vem de onde?

Sempre gostei muito de História. Não na escola, porque a História é ensinada de forma a fixares datas, locais e nomes e isso não é minimamente interessante. Mas na adolescência comecei a ler muitos romances medievais, estava a ler e sentia o cheiro, ouvia os sons dos campos de batalha, eram tudo coisas que me inspiravam muito. Depois comecei a estudar mais. A nossa primeira dinastia, por exemplo, é uma dinastia impressionante, de reis impressionantes. 

 

Isto leva-nos ao teu D. Pedro, na série Pedro e Inês, já há mais de dez anos. Que importância teve esse papel para ti?

O D. Pedro nessa altura foi uma prenda. Só poder fazer aquela personagem já era… uau. E tive que o defender. Não há muita informação, o Fernão Lopes é o primeiro que fala sobre ele e já 100 anos depois de ele morrer. Diz-se que D. Sebastião não gostava muito de D. Pedro e a História era escrita pelos reis, que decidiam do que se falava e do que não se falava. Então há muita informação que se perdeu, que tem que se ir buscar ao exterior. E pesquisei muita coisa sobre D. Pedro, posteriormente sobre D. Afonso Henriques, sobre a Ordem do Templo, uma ordem super importante e super apaixonante, a partir de D. Dinis, Ordem de Cristo. Ao longo da História, sempre protegemos certo tipo de conhecimento, os nossos reis foram excomungados não sei quantas vezes porque havia sempre ali umas tomadas de posição que não estavam muito de acordo com a Igreja, com a Europa… E isto sempre me cativou muito, como português. D. Dinis foi outro rei fantástico. 

Mas falávamos no D. Pedro. 

Não filmámos nada em estúdio, foi tudo feito em décors naturais. A Inês era a Ana Moreira, o meu pai [D. Afonso IV] era o Nicolau Breyner e a Ana Bustorf era Beatriz de Castela. O D. Pedro era apaixonante. E aí está um caso de opções que tive que fazer como ator. Porque, D. Pedro… Para já há quem diga que ele era homossexual, que tinha uma relação com o escudeiro, há muitas histórias. Da parte da Igreja ele não é muito bem visto, da parte da nobreza também não. Mas, dizia o povo, nunca se viveu tão bem em Portugal como nos dez anos em que ele foi rei. Era ‘o Justo’. Julgava povo, nobres e clero da mesma forma, com as mesmas leis, e por isso era muito amado pelo povo. Defendi-o como sendo um homem muito vivo, muito amigo do amigo, o gajo que agarrava o amigo, abraçava-o e beijava-o. Efusivo, poeta, extremamente romântico. Mas um homem da época, portanto mimado, estroina, bom vivant, tudo isso, também. Acontece muito as pessoas julgarem personagens históricas com os olhos de hoje. Estamos a falar de 1300 e tal, um homem dessa altura não pode ser olhado com os olhos de hoje, as regras eram outras. É claro que há coisas que são desprezáveis, claro que sim. Mas há 600 anos… a maior parte das pessoas eram analfabetas, as classes sociais estavam muito bem definidas, não havia misturas. Mas pronto, na altura acabei por defendê-lo num monólogo na nave central do Mosteiro de Alcobaça. Era o monólogo final, e era aí que eu defendia o gajo. O Augusto Mayer limpou na altura os bancos todos, era só pedra: a nave central vazia com o crucifixo à minha frente. De um lado D. Pedro e do outro D. Inês. Os túmulos, mesmo. E eu fazia a cena com o caixão de D. Inês de Castro que tínhamos posto lá, atrás de mim, que eu abria para depois ir em revolta contra Deus, tipo discurso do Drácula do Bram Stoker. Para mim aquela era a cena que ia defender o personagem. Então antes fui ao túmulo de D. Pedro – claro que já não está lá nada, porque as invasões francesas limparam de tudo o que eram túmulos reais espadas, armaduras. Devolveram? Não. 

 

Mas dizias que foste lá ter com o D. Pedro, ao túmulo.

Falei com o túmulo e disse «espero defender-te bem». E a cena saiu à primeira. Nunca tinha sentido nada tão intenso. 

 

Falavas há pouco em recriações históricas. O que tens andado a fazer nesse campo?

Então, ando a fazer cercos, assaltos a castelos, torneios medievais. Espetáculos de teatro de rua. Os torneios são mesmo com cavaleiros, com homens de armas, andamos ali à porrada e fazemos a recriação do que era um torneio de época, com o tipo de jogos que se faziam na altura. As últimas coisas que fiz foram em Guimarães, na Feira Afonsina, e agora estive em Tomar a fazer um cerco ao castelo na recriação de uma batalha do reinado de D. Afonso Henriques em que vem um califa mouro, o Ya’qub al-Mansur com um exército muito grande – rezam as crónicas que de meio milhão de homens – deviam ser menos, mas mesmo que fossem 50 mil era muita gente – diretos a Tomar, onde estava a Ordem do Templo, altamente simbólica na altura. Nós fizemos a recriação disso. Eu fazia de invasor, éramos cento e tal gajos, uma coisa brutal.

 

Nós, quem? Como é que se preparam esses espetáculos?

Pertenço a uma associação, a Espada Lusitana, que faz esse tipo de espetáculos. Fazemos recriação em feiras medievais também de torneios. Temos mesa de armas, acampamento militar… Agora vamos fazer um espetáculo em Santa Maria da Feira, na feira medieval, que se chama O Juízo de Deus, que é um confronto medieval entre dois gangues.

 

E entretanto, já se percebeu, sonhas com o dia em que a ficção nacional possa chegar aí.

Sim. A minha ideia é semear a coisa. Começar a criar condições para começarmos a poder ter séries e filmes desta época. Porque já temos, neste momento, muita coisa que pode facilitar a produção. Só Santa Maria da Feira, tem um espólio de 5 mil fatos medievais. E já temos muitos homens treinados, muitos atores de rua e malta que pertence a estas associações que já têm o seu equipamento e que sabe lutar e pode fazer figuração especial e coisas assim. Em 2014 vi um espetáculo em Santa Maria da Feira que me deixou pasmado, que tinha uma catapulta a mandar bolas de fogo, 100 gajos, mouros e cristãos, à batatada num campo com cavalos à mistura, arqueiros… De repente, só pensei: «Fogo, está aqui um potencial brutal. Com três câmaras fazia uma cena épica de batalha só aqui, só com este espetáculo.» Portanto, há coisas, mas muitas pessoas não sabem. Agora estou a avançar com projetos na ficção nessa área e percebo que as pessoas não sabem o que existe. Acham que é realmente muito caro. Não é barato, mas com o que temos hoje em dia já é muito mais fácil.