O ‘sucesso’ da terra queimada…

Com a pontualidade de um relógio suíço, o Expresso voltou a publicar em Agosto uma longa entrevista com um sorridente primeiro ministro, poupando-o a perguntas embaraçosas, enquanto o fogo ainda lavrava, intenso, na serra algarvia.  Ao comparar as entrevistas – a de há um ano foi a seguir à tragédia de Pedrógão Grande -, não…

Com a pontualidade de um relógio suíço, o Expresso voltou a publicar em Agosto uma longa entrevista com um sorridente primeiro ministro, poupando-o a perguntas embaraçosas, enquanto o fogo ainda lavrava, intenso, na serra algarvia. 

Ao comparar as entrevistas – a de há um ano foi a seguir à tragédia de Pedrógão Grande -, não se nota grande diferença no tom, concedendo agora o jornal a António Costa a largueza de duas capas, no caderno principal e na revista, e 14 páginas (!) ilustradas com fotos, reveladoras de um chefe de Governo descontraído, em mangas de camisa, seguro de si e satisfeito consigo. 

O jornal faz o favor de plantar as mensagens que interessam ao entrevistado, lembrando ao eleitorado que «um PS mais forte é melhor para esta solução politica», enquanto bate com a mão no peito, ao afirmar que «nunca fiz chantagem para ter maioria». 

Tanto calculo eleitoralista, com o fogo a destruir centenas de hectares de floresta em Monchique, além de casas e de muitos haveres, surpreende pela frieza e descaso face à dimensão do desastre. Hoje como há um ano a seguir a Pedrógão.

Mas António Costa é assim e gosta de transformar, impávido, qualquer derrota em vitória, seja após a contagem dos votos nas últimas Legislativas, ou no rescaldo do fogo de Monchique, oito dias depois de ter deflagrado.

Tivesse o combate ao incêndio provado a sua eficácia, circunscrevendo-o, sem ganhar fôlego, e compreender-se-ia a euforia de António Costa e de Eduardo Cabrita.

Mas não. E se não houve mortes a lamentar, no mais repetiu-se, quase a papel químico, a devastação florestal de 2017. Com a mesma descoordenação no terreno, envolvendo a Proteção Civil e os bombeiros – que bem se queixaram da falta de comando. 

Desta vez, porém, António Costa não responsabilizou o Siresp – aliás, reabilitado -, por eventuais falhas no teatro das operações, nem repetiu que «a culpa não pode morrer solteira». 

Para não correr o risco de ser politicamente responsabilizado por novas vítimas, quase à beira de eleições decisivas, o Governo instruiu claramente as forças de segurança para evacuarem as populações ao primeiro sinal de perigo, mesmo contra sua vontade.

Com essa atitude musculada, o governo evitou, é certo, os voluntarismos de quem queria proteger o que era seu, mas os exageros foram tantos que deixaram marca, como ouviu o Presidente da República na sua deslocação às zonas sinistradas.

Por isso, Marcelo recusou os «triunfalismos», achando-os injustificados. Não mencionou Costa nem Cabrita, mas nem precisava, tão óbvia era a carapuça para ambos. 

Dizer, como disse Costa, que «termos garantido que ninguém tenha morrido é extraordinário», é um exagero gratuito e prova a má consciência que lhe ficou de Pedrógão – e da segunda vaga de incêndios em Outubro -, no meio do descalabro instalado.

Desta vez, a ‘grande vitória’ celebrada por Costa, em uníssono com Cabrita, terá soado a insulto às populações de Monchique.

O que ficou tristemente demonstrado, mais uma vez, é que temos uma Proteção Civil de secretaria e não dispomos de corpos de bombeiros suficientemente treinados para fogos desta natureza.

A Proteção Civil foi promovida a um papel que não sabe desempenhar, sejam os incêndios florestais, ou, amanhã, diante de qualquer outro tipo de catástrofe. 

Nos seus quadros, como já se percebeu, há gente colocada mais em função do cartão partidário do que pelo currículo, exibindo galões desajustados às suas competências. 

Perante o balanço inicial dos prejuízos, falar-se em ‘sucesso’ constituiu outra prova de mau gosto e de extrema insensibilidade social. Há bens, materiais e afetivos, que são irrecuperáveis.

Bem se esforçou o Presidente, de mochila às costas, no itinerário das praias fluviais, a puxar pelo ânimo das populações do interior, e a pregar confiança. 

Marcelo Rebelo de Sousa exagerou, contudo, novamente, na informalidade. Como exagerou, também, na avaliação otimista da situação em Monchique, ao desdobrar-se em declarações para as TVs quando tudo estava incerto.

Marcelo precisa de interiorizar que o seu papel de ‘comentador’ terminou no dia em que foi investido como Chefe de Estado e que uma coisa é agilizar o Protocolo e outra, bem diferente, é permitir que confundam o Presidente como uma qualquer popstar. 

Os portugueses, no seu íntimo, não gostam disso, por muitas selfies que tirem quando apanham o Presidente ‘à mão de semear’… 

Se houvesse uma verdadeira oposição, o governo não se permitiria dizer tolices nem se atreveria a infantilizar o País, convocando o ‘sucesso’ à terra queimada. 

Desgraçadamente, Rui Rio não existe e Assunção Cristas perdeu fogosidade, enquanto os partidos da ‘geringonça’ meteram ‘a viola no saco’ e se lubrificam no regaço do poder…