Guerra no PSD com dezenas de dívidas por pagar

Ordem de Rui Rio levar candidatos gastadores a tribunal provocou onda de choque interna. Paulo Ribeiro, da concelhia de Lisboa, alerta para o clima de instabilidade criado no partido.

Guerra no PSD com dezenas de dívidas por pagar

O líder do PSD, Rui Rio, regressou à atividade política com uma visita às zonas afetadas pelo incêndio de Monchique, com uma certeza: comprou mais uma guerra interna, desta vez com a instauração de processos a anteriores candidatos autárquicos que tenham excedido largamento o gasto previsto.  Os processos de injunção de dívidas a fornecedores são às dezenas, oriundos de vários pontos do país, situações em que o PSD foi chamado a pagar a conta. Os vários processos  já transitaram para o Conselho de Jurisdição Nacional, mas ainda não foi aberto qualquer procedimento, segundo apurou o SOL. 

«O PSD responsabilizará apenas e só aqueles que tendo provocado prejuízos significativos ao partido não tenham salvaguardado o pagamento das despesas de campanha autárquica, nem queiram assumir as suas responsabilidades», explicou a secretaria-geral do partido ao i. A regra de injunção de dívidas,  apurou o SOL,  aplicar-se-á a situações em que o candidato gastou muitos milhares de euros acima do orçamentado e aprovado na sede nacional dos sociais-democratas. 

O anterior secretário-geral do partido, Matos Rosa, considerou que a sua experiência como dirigente lhe permitiu  «reconhecer a enorme responsabilidade com que os militantes, as concelhias e as distritais do PSD sempre se empenharam nos atos eleitorais».

A decisão de colocar em tribunal os candidatos com mais gastos está tomada e o primeiro processo avançou contra Marco Baptista, ex-candidato à Câmara da Covilhã. Terá de devolver 87 mil euros, tal como i avançou, mas estão a ser avaliados mais processos. A regra é simples e resulta da lógica que Rui Rio anunciou logo em outubro de 2017, enquanto preparava o terreno para as diretas. «O que a política precisa hoje é de um banho de ética».  Hugo Carneiro, secretário-geral-adjunto do partido, acrescentou ontem que a decisão da direção resultou de casos em que o partido foi «alvo de penhoras» ou «cartas de fornecedores ameaçadoras». Ou seja, «o bom nome  [do partido] foi posto em causa», disse o responsável da secretaria-geral do PSD com pelouro da área financeira, numa declaração às televisões, logo pela manhã, assegurando, contudo, que «a maioria [dos candidatos] cumpre» e que os casos «são raros».

Foi o sinal de que a direção não vai mudar de agulha neste processo e razão suficiente para o antecessor de José Silvano acrescentar mais alguns comentários na rede social Facebook. «O sentido de responsabilidade permitiu a muitos ganhar contra populismos e demagogias que apenas cumprem interesses pessoais ou promiscuidade que sempre o PSD combateu», defendeu José Matos Rosa.

O ex-presidente da distrital do PSD/Lisboa, Miguel Pinto Luz, foi o primeiro a acordar para a polémica. E não foi parco nas palavras. «A gargalhada que António Costa deve ter dado ao ler esta capa [a do i edição de 31 de agosto sobre o assunto]. Tenho de o dizer, o que precisávamos era de um PSD tão diligente a combater António Costa e a geringonça, como a perseguir os seus próprios Presidentes de Câmara e dirigentes. Se isto é a rentrée de combate político ao Partido Socialista depois de tudo o que aconteceu no país nas últimas semanas, melhor era continuarmos todos de férias. Já o disse e repito, aproximam-se momentos eleitorais muito importantes e é fundamental o PSD estar unido, mas o principal responsável pela mobilização e união do partido deve ser o seu Presidente», defendeu Miguel Pinto Luz, que tem ambições de vir a concorrer a líder do partido.

No PSD o tema caiu como uma bomba e houve quem elogiasse a coragem de Rio nas redes sociais.  Mas, nas distritais do partido, o tema é assunto a evitar porque o incómodo é grande. A direção do PSD insistiu que a maioria dos candidatos cumpriu e não haverá processos para  orçamentos que excederam dois ou três mil euros. Nestes casos, é sempre possível negociar as dívidas. Ainda assim, a decisão apanhou vários militantes e dirigentes de surpresa. Mas as reações vieram sobretudo do figuras que já não têm responsabilidades no PSD. Nas redes sociais, outro antigo deputado  social-democrata,  Hugo Velosa,  pediu mais recato à direção do partido. «Não entendo porque não se resolvem estas questões internamente. Isto não é bom para o PSD», disse no Twitter.

A verdade é que, apesar dos protestos e das críticas, a direção promete não vacilar e não falta quem lembre uma célebre expressão de António Vitorino: «Habituem-se!».

Lisboa não espera processo

Paulo Ribeiro, presidente da concelhia de Lisboa, disse ao SOL que a estrutura local «não  está à espera que haja qualquer ação». O dirigente foi dos poucos que aceitou comentar o caso ‘em on’. «O que eu acho é que nesta altura o partido tem enormes desafios». Em seu entender, a medida imposta pela atual direção «pode causar forte instabilidade no futuro e quando precisarmos de candidatos, não sei se estarão disponíveis». Paulo Ribeiro acrescenta que a iniciativa da direção não terá eficácia a curto prazo. O partido só será ressarcido daqui a dez anos «e não vai resolver o problema financeiro».

O SOL questionou a sede do PSD sobre outros casos já em marcha, prontos para avançar em tribunal, designadamente, em Lisboa.  A resposta não foi elucidativa: «Esta matéria é um assunto do foro interno do partido, pelo que não vamos alimentar publicamente o tema. Tal como aconteceu com a ação movida ao candidato à Covilhã, se houver mais algum caso, a informação pública poderá ser obtida através do sistema informático dos tribunais», disse ao SOL uma fonte oficial.

A secretaria-geral mobilizou-se ontem para justificar a opção de Rui Rio: «Não podemos ver ascender o passivo do partido em 14 milhões de euros, sabendo que em grande parte isso se deve a défices de algumas campanhas autárquicas (só no caso da Covilhã  são dezenas de milhares de euros de gastos acima do orçamentado, mais do que duplicando a verba autorizada), e não fazer nada», atirou Bruno Coimbra, também secretário-geral-adjunto do PSD. Para este dirigente, a mensagem da direção social-democrata é clara: «Os portugueses estão cansados dos políticos que gastam irresponsavelmente e que não prestam contas».  

Esta não é a primeira vez que Rio compra guerras internas por causa das contas ou de regulamentos. Como secretário-geral do PSD, avançou com o processo de refiliação de militantes, impôs cortes e acabou por ser corrido pela liderança de Marcelo Rebelo de Sousa. Já no início de agosto deste ano, Rui Rio deu ordens para reter a transferência de quotas para as distritais  quando existissem dívidas avultadas contraídas pelas concelhias. O despacho foi enviado a 1 de agosto, no primeiro dia de férias útil do presidente social-democrata, um período de descanso defendido por um dos seus vice-presidentes mais próximos, Salvador Malheiro: «Férias sem ser a fingir foram uma decisão sábia de quem tem experiência da vida, de quem sabe o que tem pela frente, e sobretudo de alguém que tem claramente na sua cabeça como conseguir a confiança dos portugueses para ganhar eleições», escreveu no CM.