Vieira soube das prendas dadas às Toupeiras

DIAP de Lisboa acredita que informações passadas ao Benfica serviam para evitar acusações e julgamentos, uma vez que permitia aos responsáveis do clube antecipar-se às autoridades e destruir provas.

A acusação do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa é clara: dois funcionários judiciais terão sido comprados por Paulo Gonçalves, assessor jurídico do Benfica, para que passassem informação sigilosa que beneficiava a Benfica SAD. E Luís Filipe Vieira, ainda que não tenha sido acusado de nada, sabia de tudo refere o MP. A acusação, que já foi notícia nos quatro cantos do mundo, está a abalar o clube da Luz e há já quem fale em eleições antecipadas, como é o caso do antigo vice-presidente, Rui Gomes da Silva.

Além da Benfica SAD e de Paulo Gonçalves, foram acusadas as duas alegadas toupeiras, que seriam pagas com bilhetes para jogos e merchandising do Benfica. Tanto José Silva como Júlio Loureiro – que também era um canal de acesso interno a informação sobre árbitros – terão obtido informações privilegiadas sobre dezenas de processos e, com isso, o clube da Luz terá conseguido iludir os investigadores desses casos «ao ter conhecimento antecipado de diligências e atos processuais».

«Agiram com o propósito de evitar que o clube e Paulo Gonçalves fossem acusados, julgados e condenados numa pena, permitindo a destruição ou ocultação de prova», refere o procurador Valter Alves num despacho de acusação com 80 páginas.

Um dos detalhes mais relevantes desta acusação é o facto de o DIAP estar convencido de que Vieira tinha conhecimento das ‘prendas’ dadas às toupeiras.

«As entregas aos arguidos José da Silva e Júlio Loureiro eram do conhecimento do presidente da sociedade anónima desportiva, que as autorizava ou delas tomava conhecimento por correio eletrónico, sem nunca as impedir, pois tal era para benefício da arguida [Benfica SAD), assim querendo e aceitando todas as condutas», refere-se.

Como as toupeiras se resguardavam

Para consultarem o processo, os dois funcionários judiciais usavam as passwords de outras pessoas com credenciais, como a magistrada Ana Paula Vitorino e as funcionárias do tribunal de Fafe Florinda Maria Gonçalves e Maria Cristina Ferreira Castro. Só com as credenciais da procuradora Ana Paula Vitorino, José Silva consultou informação relativa a 26 processos relacionados com o Benfica ou adversários (ver texto ao lado).

Para levar a cabo todo o esquema tinha na sua residência vários computadores do Ministério da Justiça. A Investigação concluiu que em março deste ano, José Silva tinha em sua casa sete computadores de marca Dell e um da HP em sua casa, todos pertencentes ao Ministério da Justiça, bem como uma impressora, monitores e um teclado.

«Ao transportar para a sua residência e colocar em uso, para fins particulares, os equipamentos informáticos atrás descritos, o arguido José da Silva fez seus tais equipamentos, bem sabendo que pertenciam ao Estado», lê-se na acusação.

Depois da consulta, as informações eram passadas a Paulo Gonçalves através de Whatsapp. Ainda que tudo tenha sido apagado, a PJ conseguiu recuperar algumas das conversas.

As dezenas de crimes

O Ministério Público decidiu assim acusar Paulo Gonçalves por um crime de corrupção ativa, um crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem, seis de violação do segredo de Justiça, 21 crimes de violação de segredo de funcionário, onze de acesso indevido, onze de violação do dever de sigilo e 28 de falsidade informática – alguns destes são em coautoria. A Benfica SAD está acusada de um crime de corrupção ativa, um de oferta ou recebimento de vantagem e 28 de falsidade informática. Quanto aos funcionários judiciais, estes estão acusados por corrupção passiva, favorecimento pessoal, violação do segredo de Justiça, violação de segredo de funcionário, acesso indevido, violação do dever de sigilo e peculato. Como pena assessoria, o MP pede ainda que não voltem a exercer funções de interesse público.

Vieira acredita nos tribunais

Na passada quarta-feira, logo após ter sido conhecido o despacho de acusação, o presidente do Benfica fez declarações aos jornalistas onde repudiou o envolvimento da Benfica SAD neste caso, acrescentando que não existe qualquer indício que aponte para tal.

«Como era expectável, a acusação em nada vem alterar a certeza já anteriormente citada da total licitude dos comportamentos da Benfica SAD, neste ou em qualquer outro processo. Na dita acusação não existe qualquer facto, mesmo que indiciário, que permita a imputação à Benfica SAD dos crimes aí descritos. Nem existe qualquer conduta circunstanciada no tempo, modo ou lugar, que relaciona a Benfica SAD com os crimes aí descritos», afirmou Vieira, dizendo que continua a acreditar na Justiça portuguesa e que continuará a lutar para demonstrar a inocência da Benfica SAD. 

Federação instaura inquérito

Também no mesmo dia, a Federação Portuguesa de Futebol tornou público que abriu um processo de inquérito aos encarnados. Em comunicado, o órgão disciplinar da FPF anunciou: «Instaurado processo de inquérito, por decisão do presidente do CD, de 05 de setembro de 2018, com base em comunicado de autoridade judiciária e notícias na comunicação social. O processo foi enviado, [quarta feira], à Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, mantendo-se em segredo até ao fim do inquérito».

Na quinta-feira, quando as notícias da acusação já estavam a dar a volta ao mundo, destacadas em jornais como o Washington Post (EUA), a Sky Sports (Inglaterra), ou o La Repubblica (Itália), em Portugal começaram a sentir-se as consequências do abalo. Além das perdas em bolsa – com as ações a afundar 15% – também começaram a surgir declarações a dar conta de alguma instabilidade interna. Uma delas foi do antigo vice-presidente dos encarnados, Rui Gomes da Silva, que disse acreditar num cenário de eleições antecipadas.

«Creio que haverá eleições antecipadas no Benfica e serei candidato. Não tem nada a ver com questões judiciais, mas sim com aquilo que acho que deve ser feito no Benfica», disse à SIC Notícias.