O regresso do Fenómeno

Já levantou estádios em todo o mundo, agora quer levantar um clube: o ‘verdadeiro Ronaldo’, como lhe chamou Mourinho, comprou o modesto Valladolid e prometeu pôr os adeptos a sonhar

O regresso do Fenómeno

Já reinou em Belo Horizonte, Eindhoven e Barcelona. Levantou estádios em Milão e Madrid (e até em Lisboa). Mais de onze anos depois, Ronaldo Fenómeno está de volta ao futebol espanhol: o antigo internacional brasileiro acaba de comprar 51% do Real Valladolid, equipa fundada em 1928 e que habitualmente não foge aos lugares do fundo da tabela. O objetivo, de resto, é mesmo esse: melhorar. «A chegada de Ronaldo coloca o Real Valladolid no mapa e vai fazer o clube dar um salto de qualidade», declarou o presidente, Carlos Suárez, na apresentação. «Ele gostou da cidade. No final de julho, princípio de agosto, começámos a conversar», revelou.

É o começo de uma nova fase na carreira do Fenómeno. Mas não a sua estreia como empresário. Após deixar os relvados, em 2011, Ronaldo fundou a 9ine (lê-se ‘náine’), uma agência de marketing desportivo. No ano seguinte, dando-se conta do potencial de Neymar Jr., que na altura alinhava pelo Santos, abordou o pai do jovem craque. A 9ine acabaria por mediar vários contratos de publicidade. E hoje Ronaldo ainda aconselha Neymar nas decisões sobre a carreira e até foram vistos a jogar às cartas juntos durante a lesão do jogador do PSG.

A 9ine não agenciou apenas futebolistas, mas também cantores, atores e até o tenista Rafa Nadal. Atualmente é outra empresa de Ronaldo que gere a imagem de Gabriel Jesus, o jovem avançado do Manchester City.

 

Do insucesso escolar a melhor do mundo

Pouco dado aos estudos, Ronaldo Luís Nazário de Lima faltava às aulas para jogar à bola e era motivo de troça dos outros meninos por causa dos seus dentes. Isso não o afetou – na realidade, talvez tenha ajudado a traçar o seu destino. Largou a escola e foi jogar futebol. Rejeitado pelo Flamengo, pelo Botafogo e pelo São Paulo, acabou a alinhar pelo Cruzeiro, de Belo Horizonte. Marcou o seu primeiro golo como profissional, curiosamente, contra uma equipa portuguesa. Corria o ano de 1993 e o Cruzeiro veio ao Restelo para um amigável com o Belenenses. Rezam as crónicas que o jovem prodígio foi ovacionado de pé quando abandonou o relvado.

Depois de brilhar pelo Cruzeiro, saltou para a Europa. Em 1994 veio representar o PSV Eindhoven, onde terminou a época de 94/95 no topo da tabela dos melhores marcadores, com mais 12 golos do que o seu rival, Patrick Kluivert. Mas o melhor ainda estava para vir.

Os responsáveis do clube holandês acreditavam que a capacidade de explosão de Ronaldo duraria pouco. Ainda em 1995 um joelho começou a dar sinais de problemas, sendo sujeito à primeira intervenção cirúrgica em fevereiro de 96. Quando o Barcelona avançou com 20 milhões de dólares para a sua contratação, os responsáveis do PSV acharam que Ronaldo podia ter já dado o seu melhor e que talvez daí para a frente talvez fosse sempre a cair. Estavam enganados.

Foi precisamente na Catalunha que o craque brasileiro atingiu o pico de forma, com arrancadas formidáveis que deixavam os defesas impotentes. Por essa altura, o seu destino cruzou-se com o de um português, José Mourinho, na altura adjunto de Bobby Robson. Anos mais tarde, o técnico de Setúbal haveria de causar polémica ao dizer: «Fui treinador principal de uma equipa pela primeira vez em 2000 mas antes disso fui adjunto em grandes clubes, com grandes técnicos e grandes jogadores. Com 30 anos, treinava Ronaldo – não este [Cristiano] mas o verdadeiro, o brasileiro». Em 1996 o avançado venceu o primeiro de três prémios de melhor do mundo atribuídos pela FIFA.

Sequioso de títulos, o Inter surpreendeu tudo e todos ao pagar a cláusula de rescisão de 32 milhões de dólares, e levou-o de Barcelona para Milão. Ronaldo não desiludiu: apesar de em Itália se praticar um futebol mais defensivo, com a camisola 10 marcou 25 golos na primeira época ao serviço dos nerazzurri e ganhou a alcunha de ‘Fenómeno’. Nesse ano voltou a ser eleito o melhor do mundo.

 

Momentos dramáticos e caricatos

Depois da glória, vieram momentos menos felizes. Em 1998 passou ao lado do jogo na final do campeonato do mundo contra a França, em Paris. Na noite anterior ao grande jogo teve uma convulsão. O seu companheiro de quarto, Roberto Carlos, contou que o Fenómeno «começou a passar mal por volta das quatro da manhã» e chorou muito. O Brasil perdeu para os anfitriões por 3-0.

Seguiram-se duas épocas marcadas por ausências e lesões. Infeliz em Itália, Ronaldo quis regressar a Espanha. O Barcelona não podia pagar o valor da rescisão e o Real Madrid chegou-se à frente. Depois de Luís Figo e de Zidane, Ronaldo foi o terceiro galáctico a ser contratado. Assobiado no Barnabéu, acabou por conseguir calar os críticos. Em 2002 conquistou o terceiro troféu de melhor do mundo.

Aos títulos e vitórias, somou falhanços e episódios caricatos. O seu penteado de Cascão no campeonato do mundo de 2002 (cabelo rapado com um pequeno tufo à frente), em que o Brasil conquistou o penta, deu que falar. Mas o que mais afetou a sua imagem foi um caso com ‘garotas de programa’ (prostitutas) no Rio de Janeiro. Ronaldo entrou no quarto sem notar que se tratava de travestis. «Foi um ato isolado, completamente estúpido da minha parte. Em nenhum momento soube que era travesti. Sou completamente heterossexual», garantiu numa entrevista à TV Globo.

Na altura alinhava pelo AC Milan: Fabio Capello, o treinador do Real, dispensara-o em janeiro de 2007 por causa do excesso de peso. Quem também lhe chamou gordo foi o Presidente Lula. Ronaldo não gostou. «Ele falou que eu estou gordo. Todo o mundo diz que ele bebe pra caramba. Tanto é mentira que eu estou gordo como deve ser mentira também que ele bebe pra caramba», disparou o craque.

Em Itália, um diagnóstico médico conclui que o responsável pelo excesso de peso era um problema na tiroide. Daí em diante, a sua carreira foi uma sucessão de interrupções. Abandonou definitivamente os relvados em 2011 por causa das dores, quando atuava ao serviço do Corinthians. «É muito duro abandonar o que te deixa feliz, tem tanto amor e poderia seguir porque mentalmente e psicologicamente ainda quero muito. Mas também tenho que assumir algumas derrotas. Eu perdi para o meu corpo».

E a passagem pelo Valladolid, irá figurar entre as conquistas ou entre as derrotas? Vai ser um motivo de orgulho ou de chacota para o jogador? Para já, Ronaldo avisou que vai haver mudanças. «Esta nova gestão estará definida por quatro palavras: competitividade, transparência, revolução e social. Contaremos com o amigo Carlos Suárez e com o conjunto de trabalhadores destes últimos tempos», declarou o antigo craque. «Contem connosco para fazer com que o Real Valladolid se consolide na primeira liga e continue a construir sonhos». Ronaldo & Suaréz: com uma dupla deste calibre tudo é possível.